Sangria terapêutica

por | nov 3, 2020

A sangria terapêutica é um procedimento hemoterápico em que se retira uma quantidade de sangue total, como nas doações de sangue, para uma finalidade clínica específica. São indicadas para doenças nas quais há um acúmulo de hemácias causando hiperviscosidade sanguínea ou acúmulo de ferro causando lesão em órgão alvo. Na grande maioria das vezes, o volume de sangue total retirado não ultrapassa a 8 a 9ml/kg do paciente (ou até 500 ml), podendo receber reposição com soro fisiológico ou não.

 

É um procedimento ambulatorial, relativamente seguro, mas não isento de eventos adversos, pode levar por exemplo, a hipotensão transitória e até mesmo isquemia cardíaca ou cerebral durante o procedimento. Em pacientes que realizam o procedimento por indicação de acúmulo de ferro, pode evoluir para anemia e quando a sangria é realizada para controle de hiperviscosidade pode levar o paciente a ferropenia sendo necessário acompanhamento médico regular1 3.

As principais indicações da sangria terapêutica:

 

Policitemia Vera

É uma neoplasia mieloproliferativa crônica em que há uma proliferação de todas as linhagens celulares, com predominância da série eritróide, levando a quadro de eritrocitose verdadeira e hiperviscosidade sanguínea, criando, assim, uma condição propicia para eventos trombóticos, em especial, cardiovascular. Então, faz-se necessário manter um bom controle da viscosidade, consequentemente, da quantidade de hemácias, tendo como alvo terapêutico um hematócrito menor que 45%. Esta indicada no tratamento inicial de todos os pacientes e nos jovens, com baixo risco cardiovascular, é possível realizar apenas sangrias terapêuticas associadas a antiagregantes plaquetários para um controle da doença.

 

Doença falciforme

Na doença falciforme (SS ou suas variantes) mais de 90% das hemácias não conseguem transportar adequadamente o oxigênio. Em situações especiais, faz-se necessário ofertar mais oxigênio aos tecidos, e a forma mais eficiente para isso é realizar uma troca parcial da volemia, ou seja, realiza se uma sangria contendo HbS (ou sua variação) e transfunde se um concentrado de hemácias fenotipadas com HbA1. Nos pacientes que já tiveram acidente vascular cerebral isquêmico, por exemplo, é necessário manter um alvo terapêutico é uma HbS <20%, sendo necessário realização de sangria-transfusão cronicamente.

 

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

Qualquer doença pulmonar, que leva a uma hipoxemia crônica, gera uma adaptação na curva de afinidade pelo oxigênio e um estímulo a produção de hemácias pelo aumento da eritropoetina. Essa eritrose secundária pode fazer um aumento de viscosidade sanguínea e pode causar sintomas ao paciente. A sangria está indicada apenas em hematócritos superiores a 55% para controle dos sintomas de hiperviscosidade, esse procedimento não modifica a função pulmonar.

 

Cardiopatia congênita cianótica.

Qualquer cardiopatia que leva a uma hipoxemia crônica ocorre uma produção de hemácias excessiva pelo estímulo a eritropoietina e, algumas vezes, deixam os pacientes muito sintomáticos, com valor de hemoglobina superior a 20g/dL e hematócrito > 60%, sendo necessária a sangria para melhora dos sintomas de hiperviscosidade. Nesse grupo de doenças, não é estabelecido um alvo terapêutico, deve-se, pois, ter parcimônia para encontrar um valor de hematócrito que deixe o paciente sem sintomas de hiperviscosidade e não ocorra uma descompensarão do quadro cardíaco.

 

Pós transplante renal

A eritrocitose e a hipertensão arterial pós transplante renal são eventos esperados e suas fisiopatologias não estão bem determinadas, mas acredita-se que ocorra um estímulo pelo enxerto da eritropoetina e do sistema renina-angiotensina. A sangria terapêutica, associada a inibidor do sistema renina-angiotensina, auxiliar tanto no controle da hiperviscosidade sanguínea quanto no controle pressórico, tendo o alvo do hematócrito entre 45 a 51%1 3.

 

Hemocromatose primária

Hemocromatose é uma doença genética que ocorre um acúmulo de ferro nos órgãos e tecidos podendo levar a uma perda de função. Na maioria dos casos, duas mutações estão relacionadas: C282Y e H63D, localizadas no cromossomo 6. A sangria terapêutica é o tratamento mais eficaz para retirar o ferro endógeno, pois a cada 500ml de sangue total coletado na sangria pode retirar até 300 mg de ferro elementar. Os procedimentos são realizados em frequências variadas, com um objetivo de manter o índice de saturação de transferrina inferior a 50% e ferritina de 50-100ng/ml. No Brasil, esse sangue não pode ser utilizado para fins transfusionais, mas em países como Estados Unidos é possível a transfusão desse sangue, pois o defeito é genético na absorção do ferro, a hemácia e a hemoglobina são normais.

 

Porfiria cutânea tarda

A porfiria cutânea tardia é causada pela deficiência parcial da atividade enzimática da uroporfirinogênio-descarboxilase, herdada ou adquirida, que resulta no acúmulo de uroporfirina e 7-carboxil porfirinogênio, principalmente no fígado. Geralmente, inicia-se em indivíduos de meia-idade, a maioria acima dos 40 anos. A sangria terapêutica é o tratamento não medicamentoso da doença e deve ser repetido a cada 2 semanas, até que nos níveis haja uma redução do ferro sérico de até 50-60UG/dL ou porfirinas urinarias com valores inferiores a 400 UG/dL.

Então, podemos ver que a sangria terapêutica é um procedimento hemoterápico simples, de baixo custo, seguro, desde que bem indicado e com acompanhamento médico, e essencial para controle de várias doenças.

Até a próxima!

 

Equipe erytro

Bibliografia consultada:

  1. Covas, D. Ubiali, E e Santis, G. Manual de Medicina Transfusional. 2 edição. Atheneu.2014.

  2. Kim KH, Oh KY. Clinical applications of therapeutic phlebotomy. J Blood Med. 2016; 7:139-144. Published 2016 Jul 18. doi:10.2147/JBM.S108479

  3. Assi TB,Baz E. Current applications of therapeutic phlebotomy Blood transfusion 2014;12 suppl 1. DOI 10.2450/2013.0299-12

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