Lesão Pulmonar aguda relacionada à transfusão – TRALI

por | out 18, 2022

O termo lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI) foi utilizado pelo primeira vez em 1985, para descrever a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) que ocorria após a transfusão. Estudos clínicos realizados no início dos anos 2000 demonstraram a implicação do plasma de doadoras multíparas na TRALI. Entre 2004 e 2008, a TRALI foi a principal causa de óbito relacionada com a transfusão em muitos países. Com a implementação de medidas de prevenção, como o uso do plasma predominantemente masculino, houve uma redução significativa dos casos.

 

A TRALI foi inicialmente definida por meio de um consenso internacional realizado em 2004, com base no conhecimento disponível naquela ocasião. Na versão em vigor Marco Conceitual e Operacional de Hemovigilância consta uma definição (tabela 1) que utilizou como base a estabelecida naquele consenso e que deve ser seguida no Brasil, especialmente para fins de notificação ao sistema nacional de vigilância sanitária e a classificação da correlação dos casos de TRALI com a transfusão de sangue (tabela 2).

 

Tabela 1: Definição de caso de TRALI, conforme Marco Conceitual e Operacional de Hemovigilância, ANVISA (2015).

A portaria de consolidação número 5, no artigo 5 do Anexo IV, do sangue componentes e derivados, define doador associado com TRALI, como o doador cujo componente sanguíneo foi transfundido durante as 6 (seis) horas precedentes à primeira manifestação clínica de TRALI e doador implicado em TRALI, como o doador no qual são encontrados anticorpos anti-HLA classe I ou II ou anti-HNA ou ambos, sendo que este anticorpo deve ter especificidade para um antígeno presente nos leucócitos do receptor ou deve haver uma reação positiva entre o soro do doador e os leucócitos do receptor (prova cruzada positiva). No artigo 83, ela orienta que “para o processo de produção e liberação de componentes sanguíneos, o serviço de hemoterapia terá uma política de avaliação dos doadores para prevenção de TRALI, que levará em consideração o sexo do doador e o número de gestações das doadoras.” E no artigo 208 que “os casos de suspeita de reação por contaminação microbiana ou lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI) serão comunicados ao serviço de hemoterapia produtor do componente sanguíneo para rastreamento do(s) provável(veis) doador(es) envolvido(s) e dos demais componentes sanguíneos dele(s) porventura coletado(s), de acordo com o procedimento operacional do serviço” e que “os doadores associados ou implicados com caso de TRALI serão liberados para doação de sangue total, mas não para doação de plaquetas por aférese.”

 

Tabela 2: Classificação da correlação com a transfusão de sangue dos casos de TRALI conforme Marco Conceitual e Operacional de Hemovigilância, ANVISA (2015).

 

Os padrões para Bancos de Sangue e Serviços de Transfusão da AABB/ABHH orientam que os “doadores implicados em um caso de lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI) ou associados a múltiplos eventos de TRALI devem ser avaliados quanto à manutenção de sua elegibilidade.” E ainda que “o plasma, concentrado de plaquetas coletado por aférese e sangue total para transfusão alogênica deve ser proveniente de homens, mulheres que nunca engravidaram ou mulheres que tenham sido testadas após sua última gravidez e tenham tido resultados negativos para anticorpos anti-HLA.”

 

Contudo, a pesquisa de anticorpos anti-HLA ou anti-HNA em doadores implicados ou associados ao TRALI ainda não possui código de ressarcimento pelo SUS e tem custo elevado. Como consequência, alguns serviços têm optado por classificar como inapto em definitivo estes doadores, no caso de TRALI CONFIRMADA, conforme os critérios previamente definidos pelo Marco Conceitual, que em geral são em pequeno número, o que acarreta poucas consequências para o estoque de hemocomponentes.

 

Entretanto, houve uma evolução no conhecimento da TRALI nos últimos anos e a sua fisiopatologia tem sido cada vez mais elucidada. Estudos de coorte identificaram fatores de risco associados com as condições clínicas dos pacientes o que justificou uma atualização da definição de TRALI em 2019 (Tabela 3), ou seja, após a publicação do Marco Conceitual que ainda não foi atualizado.

 

Tabela 3: Nova definição de TRALI por consenso internacional (Vlaar et al, 2019).

Caso esta nova definição passe a ser universalmente aceita e o Marco Conceitual e Operacional revisado e atualizado, haverá um aumento significativo nos casos de TRALI. Diante disso, muito provavelmente será necessária a revisão das condutas dos serviços hemoterapia em relação aos doadores implicados e associados ao TRALI, a fim de se minimizar o impacto da inaptidão definitiva destes doadores frente ao estoque de hemocomponentes.

 

Até a próxima.

Equipe Erytro

 

Bibliografia:

1. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Gabinete do Ministro. Portaria de Consolidação nº 5. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. ANEXO IV – DO SANGUE, COMPONENTES E DERIVADOS. Fica instituído o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Brasília: Diário Oficial da União, poder Executivo; 03 out 2017. Seção 1, Suplemento – p. 360. Disponível em: Ministério da Saúde (saude.gov.br), acesso em 12/02/2022.

 

2. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Marco Conceitual e Operacional de Hemovigilância – Guia para a Hemovigilância no Brasil, CAPÍTULO I: HEMOVIGILÂNCIA DO DOADOR, 2015. Disponível em: Marco Conceitual e Operacional de Hemovigilância – Guia para a Hemovigilância no Brasil — Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em 12/02/2022

 

3. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Agência Nacional de Vigilância Sanitária – RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADARDC N° 34, DE 11 DE JUNHO DE 2014 que “dispõe sobre as boas práticas do ciclo do sangue”. Disponível em: Ministério da Saúde (saude.gov.br) , acesso em 12/02/2022.

 

4. Langhi Jr. D.M., Covas, D.T. Padrões para Bancos de Sangue e Serviços de Transfusão. São Paulo: RSpress; 3ª ed. 2019.

 

5. Vlaar A.P.J., Toy P., Fung M., et al. A consensus redefinition of transfusion-related acute lung injury. Transfusion. 2019;59(7):2465-2476. DOI: 10.1111/trf.15311

 

6. Toy P, Looney MR, Popovsky M, et al. Transfusion-related Acute Lung Injury: 36 Years of Progress (1985-2021). Ann Am Thorac Soc. 2022 May;19(5):705-712. DOI: 10.1513/AnnalsATS.202108-963CME

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