O sangue é utilizado com finalidade terapêutica há muitos séculos. No século XVII grande parte das transfusões não trazia benefícios para os doentes, muitos com piora do quadro e, às vezes, até a morte imediata do receptor. Era o desconhecimento da existência dos grupos sanguíneos e do fenômeno da compatibilidade entre os mesmos grupos. O século XX inicia-se com a descrição dos grupos sanguíneos do sistema ABO, pelo pesquisador austríaco Karl Landsteiner, em 1900, que passou a explicar a razão do surgimento de certas reações graves e até da morte de pacientes após receber uma transfusão. Quarenta anos depois, em 1940, Landsteiner e Wiener anunciaram a descoberta do fator Rh, acontecimento de elevada importância para a imuno-hematologia e que acrescentou o entendimento sobre a incompatibilidade entre os diversos sangues humanos. A partir daí foi possível introduzir os testes de compatibilidade, conferindo bases consideradas científicas às transfusões de sangue.
As agências transfusionais, que são serviços de hemoterapia intra-hospitalares, possuem papel muito importante na segurança das transfusões, pois possuem laboratórios de imuno-hematologia que serão responsáveis pela realização dos testes pré-transfusionais e seleção do hemocomponente adequado para transfusão.
Nos testes pré-transfusionais, para transfusão de concentrado de hemácias, são realizados exames na amostra do receptor e também em amostra do concentrado de hemácias a ser transfundido. Na amostra do receptor é realizada a tipagem ABO e RhD e a pesquisa de anticorpos irregulares. As tipagens ABO e RhD são exames realizados para saber qual é o tipo sanguíneo do receptor por meio de reações antígeno-anticorpo. A definição do tipo ABO e RHD de um receptor permite a seleção da bolsa adequada para transfusão. Como parte desses testes no receptor é realizada ainda a pesquisa de anticorpos irregulares que é um teste de triagem para saber se o receptor possui algum anticorpo direcionado a algum antígeno de grupo sanguíneo que não o grupo ABO. Estes anticorpos normalmente não estão presentes na amostra dos pacientes, mas podem ser desenvolvidos mediante estímulos como transfusão ou gestação. Uma vez detectado um anticorpo no teste de triagem, o mesmo deve ser identificado. Esta identificação é realizada promovendo a reação do soro/plasma do paciente com um painel de diferentes células que permite identificar o anticorpo presente. Muitas vezes o anticorpo identificado é direcionado a antígeno de um outro grupo sanguíneo diferente do ABO ou do RHD. Neste caso a bolsa selecionada para a transfusão não deve conter esse antígeno a fim de evitar uma reação transfusional hemolítica, e para isso deve ser fenotipada, ou seja, tipada para outros grupos sanguíneos.
Considerando os resultados dos testes do receptor, deve ser selecionada a bolsa de hemácias para transfusão. Deve ser retirado uma alíquota dessa bolsa para para ser confirmada a tipagem ABO e RhD, para evitar transfusões incompatíveis. Finalmente, deve ser realizado o teste de compatibilidade. Nesse teste o soro/plasma do receptor é colocado junto com uma amostra das hemácias que serão transfundidas para confirmar a compatibilidade entre eles.
Concluindo, os testes pré-tranfusionais são essenciais para a segurança das transfusões. Um laboratório de imuno-hematologia bem estruturado e com equipe treinada para a realização desses testes auxilia na seleção da melhor unidade a ser transfundida a fim de que a transfusão seja de fato uma terapêutica benéfica para o paciente.
Até a próxima.
Equipe Erytro
Bibliografia consultada:
MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Gabinete do Ministro. Portaria de Consolidação nº 5. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. ANEXO IV – DO SANGUE, COMPONENTES E DERIVADOS. Brasília: Diário Oficial da União, poder Executivo; 03 out 2017. Seção 1, Suplemento – p. 360. Disponível em: http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Legislacoes/Portaria_Consolidacao_5_28_SETEMBRO_2017.pdf, acesso em 12/03/2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão do Trabalho na Saúde. Técnico em hemoterapia: livro texto. Brasília : Ministério da Saúde, 2013.Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tecnico_hemoterapia_livro_texto.pdf, acesso em 12/03/2023.