ABRIL 25, 2023
Dando continuidade à nossa série de blogs nos quais relembramos e comentamos alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia, vamos abordar hoje o estudo TOPPS (Trial of Profilatic Platelet) publicado no New England Journal of Medicine em 1993 com o título A No-Prophylaxis Platelet-Transfusion Strategy for Hematologic Cancers.[1]
Trata-se de estudo randomizado, de grupos paralelos, aberto e de não inferioridade realizado em 14 centros no Reino Unido e na Austrália que avaliou a efetividade da transfusão de plaquetas em prevenir sangramentos em pacientes oncológicos. Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber, ou não, transfusões profiláticas de plaquetas quando a contagem matinal era < 10.000/µL.
O objetivo primário do estudo foi determinar se a política de não transfundir plaquetas profilaticamente era tão segura e eficaz quanto a transfusão profilática de plaquetas. Sangramento clínico foi definido como sangramento de grau 2 ou superior, em até 30 dias após a randomização, conforme a escala de sangramento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesta classificação, os episódios hemorrágicos são classificados como grau 1 (leve), grau 2 (moderado; transfusão de hemácias não necessária imediatamente), grau 3 (grave; requer transfusão de hemácias em 24 horas) ou grau 4 (debilitante ou risco de vida);
Os objetivos secundários incluíram o número de dias com eventos hemorrágicos OMS grau 2, 3 ou 4; o tempo desde a randomização até o primeiro evento hemorrágico OMS grau 2, 3 ou 4; evento hemorrágico OMS grau 3 ou 4; número de transfusões de plaquetas e hemácias; número de dias com contagem de plaquetas < 20.000/µL; tempo até a recuperação da trombocitopenia (contagem de plaquetas > 50.000/µL por 3 dias sem suporte de transfusão de plaquetas); e tempo de internação.
Os pacientes elegíveis foram pacientes ≥ 16 anos de idade em quimioterapia (QT) ou submetidos ao transplante de células-tronco (TMO) para tratar um câncer hematológico, com expectativa de evolução para trombocitopenia (contagem de plaquetas < 50.000/µL) por pelo menos 5 dias. Os critérios de exclusão foram: a) episódio hemorrágico anterior classificado como OMS grau 3 ou 4; b) episódio hemorrágico OMS grau 2 durante a internação em curso; c) distúrbio hemostático ou trombótico hereditário; d) necessidade de uso terapêutico de agentes anticoagulantes; e) diagnóstico de leucemia promielocítica aguda; f) aloimunização por anticorpos anti-HLA ou g) randomização prévia neste estudo.
Resultados:
Dos 1.075 pacientes triados, 600 foram randomizados (301 pacientes para nenhuma profilaxia e 299 para profilaxia) entre agosto de 2006 e agosto de 2011, sendo 546 pacientes inscritos no Reino Unido e 54 na Austrália. Um total de 70% dos pacientes em ambos os grupos foram submetidos a transplante autólogo de células-tronco (auto-TMO).
Sangramento OMS grau 2, 3 ou 4 ocorreu em 151/300 pacientes (50%) no grupo sem profilaxia, em comparação com 128/298 (43%) no grupo de profilaxia (diferença ajustada nas proporções, 8,4 pontos percentuais; intervalo de confiança de 90%, 1,7 a 15,2; P = 0,06 para não inferioridade). O número de dias com episódios hemorrágicos durante o acompanhamento foi maior no grupo sem profilaxia do que no grupo com profilaxia (razão de taxas, 1,52; 95 % CI, 1,14 a 2,03; P = 0,004). O tempo até o primeiro episódio de sangramento foi significativamente menor no grupo sem profilaxia do que no grupo com profilaxia (P = 0,02) (Fig. 1). Uma análise de subgrupo identificou taxas semelhantes de sangramento nos dois grupos de estudo entre pacientes submetidos ao auto-TMO.
Figura 1: Tempo até o primeiro episódio de sangramento (figura adaptada)
Embora a proporção de pacientes com episódios hemorrágicos OMS grau 3 ou 4 tenha sido maior no grupo sem profilaxia (2% [6 de 300 pacientes, incluindo 1 com sangramento intracraniano]) do que no grupo com profilaxia (<1% [1 de 298]), essa diferença não foi significativa. Não houve óbitos por sangramento. Apenas dois dos sete pacientes que tiveram sangramento OMS grau 3 ou 4 tiveram uma contagem de plaquetas inferior < 10.000/µL no início do episódio de sangramento (contagem média geral de plaquetas, 16.000/µL [intervalo, 3.000/µL a 42.000/µL]). Ambos os pacientes estavam no grupo sem profilaxia e recebendo quimioterapia de indução para leucemia mieloide aguda (dados não mostrados).
Os autores concluíram que os resultados do estudo reforçam a necessidade do uso continuado da profilaxia com transfusão de plaquetas em pacientes pós-QT, com contagem plaquetária matinal < 10.000/µL. Este estudo demonstra o benefício dessa transfusão profilática na redução do sangramento, em comparação com a ausência de profilaxia especialmente para os pacientes com cânceres hematológicos tratados com QT ou TMO alogênico. A proporção de pacientes que tiveram eventos hemorrágicos de grau 2, 3 ou 4 da OMS foi reduzida em 7% no geral no grupo que recebeu transfusões profiláticas de plaquetas. Um número significativo de pacientes apresentou sangramento apesar da profilaxia.
Comentários:
Este estudo foi realizado logo a seguir a outros dois estudos haviam demonstrado claramente que o limite para transfusões profiláticas de plaquetas podia ser reduzido da diretriz anterior de 20.000 plaquetas/µL para 10.000/µL2 e que a dose padrão de transfusão de plaquetas podia ser reduzida pela metade,3 sem aumentar o risco de sangramento em pacientes com trombocitopenia hipoproliferativa induzida por quimioterapia. A próxima questão lógica, abordada neste estudo, era se as transfusões profiláticas são realmente necessárias ou se os pacientes com trombocitopenia podem ser efetivamente tratados apenas com transfusões terapêuticas de plaquetas dadas no início de um evento hemorrágico OMS grau 2 ou superior.4
As taxas de eventos hemorrágicos OMS grau 2 ou superior são comprovadamente mais baixas entre os receptores de auto-TMO, que representavam 70% dos pacientes no estudo atual, em relação aos receptores de TMO alogênicos ou pacientes recebendo QT para cânceres hematológicos (57% vs. 79% e 73%), conforme demonstrado no estudo PLADO3 já descrito em outro blog.
Apesar do fato dos pacientes incluídos neste estudo apresentaram menor risco, as taxas de sangramento foram maiores no grupo sem profilaxia, o tempo até o início do sangramento foi menor e o número de dias com sangramento foi maior do que no grupo com profilaxia o que corrobora a importância da transfusão profilática, especialmente nos pacientes sob maior risco de sangramento (portadores de leucemia em QT ou pós TMO alogênico).
Até a próxima!
Equipe erytro.
Bibliografia consultada:
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Stanworth SJ, Estcourt LJ, Powter G, et al.; TOPPS Investigators. A no-prophylaxis platelet-transfusion strategy for hematologic cancers. N Engl J Med. 2013 May 9;368(19):1771-80. DOI: 10.1056/NEJMoa1212772
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Rebulla P, Finazzi G, Marangoni F, et al.; The threshold for prophylactic platelet transfusions in adults with acute myeloid leukemia. Gruppo Italiano Malattie Ematologiche Maligne dell’Adulto. N Engl J Med. 1997 Dec 25;337(26):1870-5. DOI: 10.1056/NEJM199712253372602
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Slichter SJ, Kaufman RM, Assmann SF, et al. Dose of prophylactic platelet transfusions and prevention of hemorrhage. N Engl J Med. 2010 Feb 18;362(7):600-13. DOI: 10.1056/NEJMoa0904084
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Slichter SJ. Eliminate prophylactic platelet transfusions? N Engl J Med. 2013 May 9;368(19):1837-8. DOI: 10.1056/NEJMe1302974
Para imagens sugiro procurar por platelet transfusion e selecionar uma imagem que pode, ou descaracterizar alguma, tipo as que seguem abaixo: