Cirurgia com controle de danos

por | ago 29, 2024

O termo “controle de danos” começou a ser utilizado pela Marinha norte-americada e se referia à capacidade de um navio de absorver danos e manter a integridade da missão. Na medicina essa estratégia é direcionada ao controle cirúrgico de pacientes gravemente feridos, na qual reduz-se o tempo de cirurgia a fim de restaurar os parâmetros fisiológicos, controlar hemorragias, infecções e/ou vazamentos intestinais, biliares ou vesicais, sacrificando o reparo imediato de todas as lesões. Este método consiste, portanto, em controlar de maneira não definitiva as lesões do doente mas permitindo a sua estabilização.1,2 O retorno à sala de cirurgia é realizado entre 6 e 48 horas após, para uma reexploração planejada, que inclui, sempre que possível, o reparo definitivo e o fechamento primário.1

As indicações para cirurgia de controle de danos em cenários de trauma podem ser agrupadas em: a) fatores do paciente (reserva fisiológica comprometida devido a comorbidades, anticoagulação etc.); b) gravidade/padrão da lesão local/geral (politraumatismo contuso, traumatismo penetrante múltiplo no tronco, contaminação grave, grandes fontes de sangramento em outras regiões); c) parâmetros fisiológicos (hipotermia, acidose, coagulopatia, disfunção orgânica precoce); e d) tratamento/fatores iatrogênicos (magnitude e qualidade da reanimação, tempo gasto na cirurgia, necessidade de pinçamento cruzado de grandes vasos).3 Nenhuma dessas indicações é absoluta isoladamente, mas muitas delas tendem a se apresentar simultaneamente em um paciente gravemente ferido e fisiologicamente comprometido.

Denomina-se como tríade letal o ciclo vicioso de hipotermia, acidose metabólica e coagulopatia que ocorre em decorrência de um desarranjo metabólico importante que leva à exaustão fisiológica.

A hipotermia é muito comum nos pacientes vítimas de trauma. Ocorre como consequência da acentuada perda sanguínea, da exposição do doente ao ambiente, da reanimação com fluidos não aquecidos ou da perda da capacidade de termorregulação dos pacientes intoxicados ou com danos neurológicos. Estes fatos acarretam hipoperfusão tecidual resultante da vasoconstrição periférica. Além disso, a hipotermia é um importante fator no desenvolvimento do distúrbio de coagulação, porque: a) inibe a interação do fator de von Willebrand com as plaquetas, ocasionando disfunção plaquetária; b) inativa os fatores de coagulação temperatura-dependentes; c) induz alterações no sistema fibrinolítico e gera anormalidades endoteliais. Além do mais a hipotermia pode causar arritmias ventriculares, diminuição da pós-carga, maior resistência vascular periférica e desvio da curva de dissociação de oxigênio para a esquerda, piorando a oxigenação.

A acidose metabólica é um preditor importante da gravidade de lesão abdominal e de prognóstico do paciente. Um pH baixo por tempo prolongado é sinal de prognóstico ruim e o pH < 7,2 está relacionado com alta mortalidade. A acidose metabólica agrava o quadro de coagulopatia pela inativação de fatores de coagulação pH-dependentes.3 Além disso, a acidose pode sobrecarregar o sistema respiratório na tentativa de realizar uma alcalose respiratória compensatória. Esta alteração também pode levar à diminuição da contratilidade miocárdica e reduzir a pós-carga. Múltiplas transfusões sanguíneas, o clampeamento da aorta e a função miocárdica reduzida também contribuem para a piora da acidose.

A coagulopatia do trauma é induzida por muitos fatores, incluindo a alterações inflamatórias e metabólicas produzidas imediatamente após a lesão, por combinação de hipoperfusão e lesão tecidual direta. À medida que o sangramento vai ocorrendo, há consumo de plaquetas e fatores de coagulação, que acarreta mais inflamação. Associado a isso, há uma diluição dos fatores de coagulantes em decorrência da ressuscitação volêmica com cristaloides, usualmente não aquecidos, o que acarreta hipotermia. Desta forma, o ciclo da coagulopatia vai se retroalimentando e, consequentemente, o paciente vai ficando cada vez mais discrásico.

A cirurgia de controle de dano em conjunto com os princípios hemoterápicos da transfusão maciça têm como objetivo manter o paciente vivo até o controle definitivo de todas as lesões. O protocolo de Transfusão Maciça deve incluir a ressuscitação hemostática, que utiliza cada vez menos cristaloides e mais hemocomponentes: hemácias, plasma e plaquetas, em uma proporção próxima de 1:1:1 ou 1:1:2, além do controle metabólico rigoroso. Estes são pontos essenciais para estabilização do paciente gravemente enfermo. Para muitos é a única oportunidade de sobreviverem e conseguirem uma reparação completa dos danos tão severos.4,5

Até a próxima

Equipe Erytro

Bibliografia:

  1. Ball CG. Damage control resuscitation: history, theory and technique. Can J Surg. 2014 Feb;57(1):55-60. doi: 10.1503/cjs.020312. PMID: 24461267; PMCID: PMC3908997.
  2. Edelmuth, R. Buscariolli, Y. Ribeiro, M. Damage control surgery: an update Rev. Col. Bras. Cir. 40 (2) • Abr 2013 • https://doi.org/10.1590/S0100-69912013000200011
  3. Weber DG, Bendinelli C, Balogh ZJ. Damage control surgery for abdominal emergencies. Br J Surg. 2014 Jan;101(1):e109-18. doi: 10.1002/bjs.9360. Epub 2013 Nov 25. PMID: 24273018.
  4. Maegele M. Frequency, risk stratification and therapeutic management of acute post-traumatic coagulopathy. Vox Sang. 2009 Jul;97(1):39-49. doi: 10.1111/j.1423-0410.2009.01179.x. Epub 2009 Apr 9. PMID: 19392782.
  5. Bogert JN, Harvin JA, Cotton BA. Damage Control Resuscitation. J Intensive Care Med. 2016 Mar;31(3):177-86. doi: 10.1177/0885066614558018. Epub 2014 Nov 10. PMID: 25385695.

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