Como otimizar a hemoglobina de pacientes que serão submetidos a cirurgia?

por | dez 19, 2024

 

A anemia pré-operatória é comum. Sua incidência varia entre 25% e 40% em grandes estudos observacionais. Os pacientes anêmicos são mais suscetíveis a complicações cirúrgicas como: a) aumento das taxas de infecção; b) cicatrização de feridas mais lenta e c) maior risco de eventos cardiovasculares durante e após a cirurgia. Além disso, a anemia pode exacerbar condições médicas existentes, causando maior sobrecarga nos órgãos e sistemas orgânicos.  

Para pacientes que serão submetidos a cirurgia com potencial de grande perda de sangue, o programa Patient Blood Management (PBM) define a anemia pré-operatória como hemoglobina (Hb) < 13 g/dL em pacientes de ambos os sexos. Seu tratamento adequado requer uma abordagem multifatorial para garantir que os pacientes estejam nas melhores condições possíveis para a cirurgia e para minimizar possíveis complicações. Em pacientes que recusam transfusões de sangue por motivos religiosos ou naqueles com múltiplos aloanticorpos e/ou com indicação de sangue raro por aloimunização encontrar doadores de sangue pode ser uma atividade extremamente difícil. Nestes contextos, o gerenciamento da anemia pré-operatória é essencial, juntamente com uma abordagem multidisciplinar para minimizar a perda de sangue no peri e no pós-operatório.   

O maior desafio está em reconhecer as causas da anemia e tratá-las precocemente, a tempo de implementar intervenções oportunas para corrigi-la. A principal causa de anemia no mundo é a por deficiência de ferro (ADF). O manejo da deficiência de ferro inclui a suplementação de ferro com terapia com ferro oral ou, quando esse for ineficaz ou não for tolerado ou quando se faz necessária correção de forma rápida (< 4-6 semanas) de ferro intravenoso. No quadro 01 estão listadas as formulações de ferro parenteral disponíveis no Brasil. Entretanto, é importante ressaltar que toda ADF no adulto deve ser investigada pois esta pode ser a oportunidade para se diagnosticar alguma desordem que está acarretando perda de sangue e/ou falha de absorção. Nesse blog daremos enfoque à ADF e à estimulação da eritropoese. 

 

Devem receber reposição de ferro os pacientes que possuem índice de saturação de transferrina (IST) < 20%. A fórmula para calcular a dose adequada de ferro parenteral encontra-se no quadro 2. As novas formulações de sais de ferro parenterais conseguem repor grandes quantidades de ferro em curto período e devem ser as formulações preferencialmente utilizadas no manejo das anemias no pré-operatório, em especial dos pacientes com menos de 4-6 semanas da data da cirurgia. 

Devem ser estimulados com eritropoetina recombinante (EPOr) os pacientes que possuem IST maior ou igual a 20% e uma ferritina maior que 30 ng/dL, nos quais já tenham sido excluídas outras causas carenciais, como deficiência de vitamina B12, ácido fólico e cobre; não tenha sido evidenciado alteração hormonal, em especial o hipotireoidismo, que possuem hemoglobina menor que 13 g/dL e que serão submetidos a procedimento cirúrgico de médio a grande porte. 

O uso de EPOr vem sendo recomendado em especial nos pacientes com doença crônica, especialmente a renal, idosos e nos pacientes que necessitam de alcançar uma Hb maior que 13g/dL para realização de uma cirurgia, respeitando os critérios previamente descritos, a fim de minimizar a necessidade de transfusão de hemocomponentes. Na literatura corrente não há uma dose de EPOr definida como padrão para o estímulo da eritropoese. Os principais trabalhos sobre o tema foram realizados em pacientes submetidos a cirurgias de prótese de quadril e joelho. As doses recomendas nesses estudos variavam de 40.000 a 100.000 UI por semana, por 3 a 4 semanas antes da cirurgia. Apesar de a bula da EPOr relatar maior risco de eventos trombóticos, não houve registro nesses estudos de aumento de trombose no grupo que recebeu eritropoetina. Entretanto, o risco individual de cada paciente deve ser avaliado. Outro ponto importante é que EPOr consome ferro. Por este motivo, o estoque de ferro deve ser checado durante o processo de estímulo da eritropoese. O uso combinado de ferro parenteral e a EPOr garantem o nível adequado de ferro para atender à expansão da eritropoese.  

Dito isso, é importante ressaltar que pacientes com níveis mais elevados de Hb, com medula estimulada e suplementada, submetidos às medidas de minimização de perda sanguínea, como uso de equipamentos de recuperação intraoperatória de sangue (RIOS) e o uso de ácido tranexâmico possuem risco consideravelmente menor de necessitarem de transfusão. Entretanto, é urgente a realização de estudos prospectivos, randomizados e bem controlados, com pacientes que serão submetidos aos diversos grupos de cirurgias, objetivando a padronização das ações e das doses de medicamentos para melhor atendimento, considerando o custo/risco e o benefício para a população. 

Esperamos que vocês tenham gostado e até a próxima. 

Equipe Erytro 

Referências consultadas: 

  1. Lin Y. Preoperative anemia-screening clinics. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2019 Dec 6;2019(1):570-576. doi: 10.1182/hematology.2019000061. PMID: 31808909; PMCID: PMC6913451. 
  1. CONSENSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HEMATOLOGIA, HEMOTERAPIA E TERAPIA CELULAR SOBRE PATIENT BLOOD MANAGEMENT. 1a EDIÇÃO PUBLICADA EM 26 DE OUTUBRO DE 2023. Disponível em: consenso-abhh-pbm.pdf Acesso em 16/12/2024 
  1. Shander A, Kaufman M, Goodnough LT. How I treat anemia in the perisurgical setting. Blood. 2020 Aug 13;136(7):814-822. doi: 10.1182/blood.2019003945. PMID: 32556314. 
  1. Ali SME, Hafeez MH, Nisar O, et al. Role of preoperative erythropoietin in the optimization of preoperative anemia among surgical patients – A systematic review and meta-analysis. Hematol Transfus Cell Ther. 2022 Jan-Mar;44(1):76-84. doi: 10.1016/j.htct.2020.12.006. Epub 2021 Feb 3. PMID: 33583767; PMCID: PMC8885371. 
  1. Li Y, Yin P, Lv H, et al. A meta-analysis and systematic review evaluating the use of erythropoietin in total hip and knee arthroplasty. Ther Clin Risk Manag. 2018 Jul 10;14:1191-1204. doi: 10.2147/TCRM.S159134. PMID: 30022832; PMCID: PMC6044356. 

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