A anemia pré-operatória é comum. Sua incidência varia entre 25% e 40% em grandes estudos observacionais. Os pacientes anêmicos são mais suscetíveis a complicações cirúrgicas como: a) aumento das taxas de infecção; b) cicatrização de feridas mais lenta e c) maior risco de eventos cardiovasculares durante e após a cirurgia. Além disso, a anemia pode exacerbar condições médicas existentes, causando maior sobrecarga nos órgãos e sistemas orgânicos.
Para pacientes que serão submetidos a cirurgia com potencial de grande perda de sangue, o programa Patient Blood Management (PBM) define a anemia pré-operatória como hemoglobina (Hb) < 13 g/dL em pacientes de ambos os sexos. Seu tratamento adequado requer uma abordagem multifatorial para garantir que os pacientes estejam nas melhores condições possíveis para a cirurgia e para minimizar possíveis complicações. Em pacientes que recusam transfusões de sangue por motivos religiosos ou naqueles com múltiplos aloanticorpos e/ou com indicação de sangue raro por aloimunização encontrar doadores de sangue pode ser uma atividade extremamente difícil. Nestes contextos, o gerenciamento da anemia pré-operatória é essencial, juntamente com uma abordagem multidisciplinar para minimizar a perda de sangue no peri e no pós-operatório.
O maior desafio está em reconhecer as causas da anemia e tratá-las precocemente, a tempo de implementar intervenções oportunas para corrigi-la. A principal causa de anemia no mundo é a por deficiência de ferro (ADF). O manejo da deficiência de ferro inclui a suplementação de ferro com terapia com ferro oral ou, quando esse for ineficaz ou não for tolerado ou quando se faz necessária correção de forma rápida (< 4-6 semanas) de ferro intravenoso. No quadro 01 estão listadas as formulações de ferro parenteral disponíveis no Brasil. Entretanto, é importante ressaltar que toda ADF no adulto deve ser investigada pois esta pode ser a oportunidade para se diagnosticar alguma desordem que está acarretando perda de sangue e/ou falha de absorção. Nesse blog daremos enfoque à ADF e à estimulação da eritropoese.
Devem receber reposição de ferro os pacientes que possuem índice de saturação de transferrina (IST) < 20%. A fórmula para calcular a dose adequada de ferro parenteral encontra-se no quadro 2. As novas formulações de sais de ferro parenterais conseguem repor grandes quantidades de ferro em curto período e devem ser as formulações preferencialmente utilizadas no manejo das anemias no pré-operatório, em especial dos pacientes com menos de 4-6 semanas da data da cirurgia.
Devem ser estimulados com eritropoetina recombinante (EPOr) os pacientes que possuem IST maior ou igual a 20% e uma ferritina maior que 30 ng/dL, nos quais já tenham sido excluídas outras causas carenciais, como deficiência de vitamina B12, ácido fólico e cobre; não tenha sido evidenciado alteração hormonal, em especial o hipotireoidismo, que possuem hemoglobina menor que 13 g/dL e que serão submetidos a procedimento cirúrgico de médio a grande porte.
O uso de EPOr vem sendo recomendado em especial nos pacientes com doença crônica, especialmente a renal, idosos e nos pacientes que necessitam de alcançar uma Hb maior que 13g/dL para realização de uma cirurgia, respeitando os critérios previamente descritos, a fim de minimizar a necessidade de transfusão de hemocomponentes. Na literatura corrente não há uma dose de EPOr definida como padrão para o estímulo da eritropoese. Os principais trabalhos sobre o tema foram realizados em pacientes submetidos a cirurgias de prótese de quadril e joelho. As doses recomendas nesses estudos variavam de 40.000 a 100.000 UI por semana, por 3 a 4 semanas antes da cirurgia. Apesar de a bula da EPOr relatar maior risco de eventos trombóticos, não houve registro nesses estudos de aumento de trombose no grupo que recebeu eritropoetina. Entretanto, o risco individual de cada paciente deve ser avaliado. Outro ponto importante é que EPOr consome ferro. Por este motivo, o estoque de ferro deve ser checado durante o processo de estímulo da eritropoese. O uso combinado de ferro parenteral e a EPOr garantem o nível adequado de ferro para atender à expansão da eritropoese.
Dito isso, é importante ressaltar que pacientes com níveis mais elevados de Hb, com medula estimulada e suplementada, submetidos às medidas de minimização de perda sanguínea, como uso de equipamentos de recuperação intraoperatória de sangue (RIOS) e o uso de ácido tranexâmico possuem risco consideravelmente menor de necessitarem de transfusão. Entretanto, é urgente a realização de estudos prospectivos, randomizados e bem controlados, com pacientes que serão submetidos aos diversos grupos de cirurgias, objetivando a padronização das ações e das doses de medicamentos para melhor atendimento, considerando o custo/risco e o benefício para a população.
Esperamos que vocês tenham gostado e até a próxima.
Equipe Erytro
Referências consultadas:
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