Dando continuidade à nossa série de blogs nos quais relembramos e comentamos alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia, vamos abordar hoje o estudo PROMMTT publicado no JAMA Surgery em 2013 com o título The Prospective, Observational, Multicenter, Major Trauma Transfusion (PROMMTT) Study: Comparative Effectiveness of a Time-varying Treatment with Competing Risks.[1]
Trata-se de estudo clínico multicêntrico, prospectivo, observacional que descreve quando o concentrado de hemácias (CH), o plasma (PFC) e o concentrado de plaquetas (CP) são infundidos e avalia a associação entre a mortalidade intra-hospitalar e o momento da transfusão de cada hemocomponente.
Esse estudo foi realizado em 10 centros de trauma dos Estados Unidos da América (EUA) classificados como nível 1 (maior nível de ativação) entre julho de 2009 e outubro de 2010 (58 semanas. Neste período foram admitidos 34.362 pacientes nestes centros. Destes 12.560 foram avaliados para este estudo e 1.245 preencheram os critérios de inclusão.
Os pacientes elegíveis foram maiores de 16 anos vítimas de trauma grave (necessidade de atendimento em centros nível 1) transfundidos com pelo menos 1 CH nas primeiras 6 horas após a admissão. Os principais critérios de exclusão foram pacientes: (1) transferidos de outras unidades; (2) que tiveram óbito declarado em até 30 minutos após a admissão; (3) que receberam mais de 5 minutos de ressuscitação cardiopulmonar antes ou dentro de 30 minutos após a admissão; (4) prisioneiros; (5) que sofreram queimadura superior a 20% da superfície corporal total; (6) que apresentavam lesão inalatória diagnosticada por broncoscopia; ou (7) que estavam grávidas. Se a inelegibilidade fosse identificada após o paciente já estar inscrito no estudo, o paciente era retirado e os dados obtidos destruídos.
O objetivo primário do estudo foi avaliar a taxa de mortalidade intra-hospitalar. Os objetivos secundários foram descrever com precisão quando as hemácias, o plasma e as plaquetas foram transfundidos e avaliar a associação entre mortalidade intra-hospitalar, o momento e a quantidade de hemocomponentes transfundidos. O estudo documentou o momento das transfusões durante a ressuscitação ativa e os resultados dos pacientes. Os dados foram analisados utilizando modelos de riscos proporcionais dependentes do tempo.
Resultados: Foram coletados dados 1.245 pacientes (grupo de estudo original) que receberam pelo menos um CH em até 6 horas após a admissão. Destes, 905 (grupo de análise) foram transfundidos com pelo menos 3 unidades de hemocomponentes (hemácias, plasma ou plaquetas – usualmente por coletadas por aférese).
As proporções PFC:CH e CP:CH não foram uniformes durante as primeiras 24 horas (P < 0,001 para ambas as proporções). Em um modelo de Cox multivariável dependente do tempo, proporções aumentadas de PFC:CH (taxa de risco ajustada = 0,31; IC 95%, 0,16-0,58) e CP:CH (taxa de risco ajustada = 0,55; IC 95%, 0,31-0,98) foram independentemente associadas à diminuição da mortalidade em 6 horas, quando predominou a morte por causa hemorrágica. Nas primeiras 6 horas, os pacientes com proporções inferiores a 1:2 tinham 3 a 4 vezes mais probabilidade de morrer do que os pacientes com proporções de 1:1 ou superiores. Após 24 horas, quando prevaleciam riscos concorrentes de causas não hemorrágicas, as proporções de plasma e plaquetas não estavam associadas à mortalidade.
Os autores concluíram que proporções mais elevadas de plasma e plaquetas em relação ao CH no início da reanimação foram associadas com a diminuição da mortalidade em pacientes que receberam transfusões de pelo menos 3 unidades de hemocomponentes durante as primeiras 24 horas após a admissão. Entre os sobreviventes por pelo menos 24 horas, o risco subsequente de morte no dia 30 não foi associado às proporções mais elevadas de plasma e plaquetas em relação ao CH.
Comentários:
O trauma é uma das principais causas de morte em todo o mundo. A hemorragia descontrolada é a principal causa de morte evitável neste grupo de pacientes. Este estudo foi realizado em uma época que ainda se utilizava grandes volumes de solução cristaloide (soro fisiológico / ringer lactato) e coloides (hidroxietilamido) na reanimação destes pacientes. Nesta época, ainda se conhecia pouco sobre a TRALI (lesão pulmonar aguda associada à transfusão) que era uma das principais causas de óbito relacionada à transfusão especialmente de produtos plasmáticos e motivo de grande receio no uso destes hemocomponentes.
Em contrapartida, dados retrospectivos de estudos realizados nas guerras no Iraque e no Afeganistão sugeriram que a reanimação com transfusões equilibradas, que se aproximassem do sangue total, melhorava a sobrevivência. Entretanto, estes dados eram retrospectivos e incluíam muitos fatores de confusão e, por vezes, resultados contraditórios. Isto motivou o estudo PROMMTT, um estudo observacional onde assistentes de pesquisa registraram práticas de transfusão em pacientes vítimas de trauma grave em diferentes centros especializados.
Dentre os pacientes incluídos no estudo, 25% morreram (mortalidade muito alta). Os que morreram em decorrência da hemorragia, morreram rápido (58% dessas mortes ocorreram dentro de 3 horas após a chegada e 94% delas ocorreram nas primeiras 24 horas). O tempo mediano para morte por hemorragia foi de 2,6 horas, ou seja, para melhorar a mortalidade é necessário agir rapidamente.
Os dados do estudo PROMMTT mostraram que houve uma “associação protetora entre maiores taxas de transfusão e a mortalidade” nas primeiras 6 horas, mas esta associação diminuiu após esse período inicial. Os resultados do estudo PROMMTT foram esclarecedores e abriram caminho para um ensaio prospectivo, randomizado e pragmático mais formal – PROPPR[2] (tema do nosso próximo blog de discussão de artigo). Esses dois estudos e seus dados, associados a abordagens de reanimação derivadas do combate (Ressuscitação de Controle de Danos) são a base das estratégias atuais de reanimação no trauma.
Até a próxima!
Equipe erytro.
Bibliografia consultada:
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Holcomb JB, del Junco DJ, Fox EE, et al; PROMMTT Study Group. The prospective, observational, multicenter, major trauma transfusion (PROMMTT) study: comparative effectiveness of a time-varying treatment with competing risks. JAMA Surg. 2013 Feb;148(2):127-36. DOI: 10.1001/2013.jamasurg.387
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Holcomb JB, Tilley BC, Baraniuk S, et al; PROPPR Study Group. Transfusion of plasma, platelets, and red blood cells in a 1:1:1 vs a 1:1:2 ratio and mortality in patients with severe trauma: the PROPPR randomized clinical trial. JAMA. 2015 Feb 3;313(5):471-82. DOI: 10.1001/jama.2015.12
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Balanced Transfusions in Trauma. PROMMTT and PROPPR. – KINNETIC MEDICINE acesso em 14/07/2024
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Maier RV. Resuscitation strategies in trauma. JAMA. 2013 Jun 5;309(21):2270-1. DOI: 10.1001/jama.2013.5161