Os Hemocomponentes transfundidos constituem uma entidade complexa de terapia celular, que afetam a imunidade do receptor. Os efeitos amplos dessa imunomodulação relacionada a transfusão acarretam mudanças tanto na imunidade celular quanto na humoral do receptor. Os leucócitos do doador, a quantidade de plasma e plaquetas contidos nas bolsas de concentrados de hemácias e o dano celular causado pela estocagem são algumas das causas relacionadas com imunomodulação. A imunidade celular do receptor é a mais afetada com a transfusão, pois ocorre uma diminuição da atividade das células Natural Killer (NK), redução da relação de células T CD4/CD8, depleção dos linfócitos T de forma global, redução na hipersensibilidade tardia, diminuição da produção de citocinas (IL-2, interferon-c) e aumento na produção de anti-idiotípico e anticlonotípico, além da inibição da função fagocitária dos macrófagos e monócitos 1,2 . As alterações encontradas na imunomodulação relacionada a transfusão podem ser agudas, subagudas ou crônicas e trazem consequências benéficas e/ou maléficas ao receptor, essas são: menor rejeição a transplante renal, melhora clínica de doenças autoimunes e diminuição dos abortos espontâneos, recorrência do câncer, infecção pós operatória, mortalidade 1,2 .
Benefícios: Um estudo colaborativo envolvendo centros de transplante renal na Europa e na América do Norte mostrou uma melhor sobrevida do enxerto renal em pacientes com doença renal crônica que receberam transfusão de hemácias previamente ao transplante, devido seu efeito imunossupressor 5 . Os centros de transplante selecionaram potenciais receptores de rim que foram randomizados em dois grupos: um grupo que receberam três transfusões de concentrados de hemácias não modificados (contendo leucócitos do doador) e outro grupo nenhuma transfusão. O estudo mostrou que a taxa de sobrevivência de enxerto renal após 1 ano foi de 90% do grupo da transfusão contra 82% naqueles receptores que não receberam transfusões. Aos 5 anos, as taxas de sobrevivência dos enxertos renais correspondentes foram de 79% e 70%, respectivamente 6 .
Outro benefício clínico é a melhora, ou até mesmo a remissão, da doença de Chron nos pacientes que receberam transfusão de concentrado de hemácias, pelo efeito imunossupressor relacionado a transfusão 5,7 . Há também uma descrição que a transfusão de sangue está relacionada à redução dos abortos espontâneos quando a mulher recebia transfusão alogênica ou do proposto pai 7 .
Malefícios: Uma observação de recorrência de câncer de fígado, próstata e colo retal foi sugerida com a transfusão alogênica 2 . Estudos em animais, da década de 70, observou aumento da taxa de crescimento tumoral em animais que possuíam tumores e receberam transfusão alogênica e essa relação não foi identificada nos animais que receberam transfusão autóloga 2 .
A imunossupressão, causada pela transfusão, também aumentaria a taxa de infecção pós-operatória e um aumento da taxa de mortalidade 2,5 . Estudos observacionais que compararam o risco de infecção bacteriana pós-operatória entre pacientes transfundidos e não transfundidos submetidos à cirurgia gastrointestinal, ortopédicas e cardíaca indicaram que os pacientes que receberam transfusão perioperatória (em comparação com aqueles que não necessitam de transfusão) quase sempre apresentaram maior risco de desenvolver infecção bacteriana pós-operatória 4 .
A associação entre mortalidade e transfusão de sangue contendo leucócitos do doador, é estudada há muitos anos e os dados mais robustos mostraram que pacientes submetidos a cirurgias cardíacas que receberam hemácias não modificadas aumentaram substancialmente a mortalidade, mas essa causalidade não foi demonstrada em outras cirurgias 2 .
Apesar de todas as incertezas na identificação precisa de todos os mecanismos que levam à imunomodulação relacionada a transfusão e de realizar uma correlação de evidência cientifica robusta dos efeitos imunológicos aos desfechos clínicos, a mudança no sistema imune do receptor é real. Para prevenção de todos os eventos adversos relacionados a transfusão de sangue o uso racional dos hemocomponentes, utilizando políticas restritivas de indicação de hemácias e manobras para uso de sangue autólogo são as estratégias mais eficazes 7 . Seguida do uso de componentes de boa qualidade e hemácias desleucotizadas, sempre que possível, em especial nas cirurgias cardíacas.
Equipe erytro.
Bibliografia consultada:
1. Youssef LA, Spitalnik SL. Transfusion-related immunomodulation: a reappraisal. Curr Opin Hematol. 2017;24(6):551-557. doi:10.1097/MOH.0000000000000376 2. Covas DT, Langhi DM, Bordin JO, Tratado de Hemoterapia Fundamentos e Prática. 1ª edição. Rio de Janeiro: Atheneu,2019. 3. Zimring J C, Regulation of immune responses by RBC transfusion, ISBT Science Series (2013) 8, 181–184. 4. Vamvakas EC, Blajchman MA. Transfusion-related immunomodulation (TRIM): an update. Blood Rev. 2007;21(6):327-348. doi:10.1016/j.blre.2007.07.003 5. Covas DT, Ubiali EMA, Santis GC, Manual de Medicina Transfusional. 2ª edição. Rio de Janeiro,2015. 6. BLAJCHMAN, MA, Transfusion immunomodulation or TRIM: What does it mean clinically? Hematology, 2005; 10 Supplement 1: 208/214. 7. Refaai, MA, Blumberg, N. Transfusion immunomodulation from a clinical perspective: an update, Expert Review of Hematology, 6:6, 653-663.