A imunoterapia tem surgido como uma opção terapêutica no cenário do tratamento das neoplasias de origem linfoplasmocitária recaídas ou refratárias às terapias oncológicas convencionais. Isto decorre, principalmente, pela possibilidade de atuar sobre as células tumorais de forma mais específica, otimizando a vigilância e as propriedades de destruição das células imunes inatas, através do sistema imunológico. Uma das alternativas promissoras são as células T do próprio paciente modificadas em laboratório para expressar um receptor de antígeno (CAR) capaz de reconhecer e, consequentemente, de atacar alguns tipos de tumores.
Fonte: Jogalekar MP. CAR T-Cell-Based gene therapy for cancers: new perspectives, challenges, and clinical developments. 2022
Para esse tipo de tratamento é necessário realizar a coleta de leucócitos/linfócitos da circulação periférica do próprio paciente, por meio de equipamento e kit de aférese. Estas células são enviadas para um laboratório onde serão geneticamente modificadas, geralmente por transferência viral, para expressar uma proteína sintética capaz de identificar o tumor em tratamento. Em seguida, as células CAR-T recém-transformadas passam por um período de expansão in vitro e ficam disponíveis para serem reinfundidas no paciente (Vide figura do blog2). Exemplo: o Tisagenlecleucel é uma célula T geneticamente modificada capaz de fornecer um sinal de ativação de células T e um domínio 4-1BB (CD137) com efeito anti-CD19, ideal para tratamento de Leucemia Linfocítica Aguda.
Durante o período de produção das células CAR T o paciente é submetido a tratamento específico para controlar da doença de base afim de reduzir a carga tumoral. Imediatamente antes da infusão das células CAR T é necessário um ciclo de quimioterapia linfodepletora, geralmente composta de fludarabina e ciclofosfamida, para minimizar os efeitos indesejáveis da terapia.
A terapia com células CAR T podem causar efeitos colaterais potencialmente graves, como síndrome de liberação de citocinas (SLC), neurotoxicidade e a síndrome de lise tumoral. A SLC ocorre por um aumento maciço nos níveis séricos de citocinas seguido pela ativação de células T. Se manifesta por náuseas, vômitos, dores de cabeça, febre, mialgia, anorexia, coagulopatia, hipotensão, disfunção renal e edema pulmonar. Alguns pacientes podem evoluir com neurotoxicidade após receber a terapia com células CAR-T. Essa é uma condição potencialmente perigosa na qual a resposta imunológica ao tratamento afeta o sistema nervoso central. Ainda que a etiologia exata da neurotoxicidade não seja bem compreendida, alguns estudos sugerem que ela esteja parcialmente relacionada com a gravidade da SLC. Os sintomas podem incluir confusão, convulsões e dificuldade para falar ou caminhar. Com o monitoramento minucioso, a maioria dos casos de neurotoxicidade é resolvida sem sequelas em longo prazo. Já a síndrome de lise tumoral pode ocorrer nos pacientes que possuem alta carga tumoral, nas doenças que estão refratárias e/ou resistentes a outras terapias, mas são manejadas sem dificuldade pelos hematologistas e intensivistas.
No Brasil essa terapia está liberada para pacientes com algumas doenças: a) Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) em crianças e adultos com até 25 anos, nas doenças recaídas e/ou refratárias; b) Linfoma não-Hodgkin Difuso de Grandes células B e Linfoma Folicular refratários e/ou recaídos; e c) Mieloma múltiplo refratário a mais de 3 linhas de tratamento. Anteriormente, os pacientes com doenças redicivantes ou refratárias eram tratados com esquemas de tratamento com resultados limitados e, consequentemente, com alto risco de morrer. A terapia com células CAR-T tem demonstrado respostas impressionantes para esses pacientes, para esperança dos médicos e dos pacientes, incluindo resposta completa em aproximadamente 40% a 60% dos pacientes com linfomas agressivos e 60% a 80% na LLA.
As conquistas da terapia com células CAR-T em doenças malignas hematológicas estabeleceram a imunoterapia celular como um novo pilar da terapia antitumoral. Entretanto, há uma série de limitações como o altíssimo custo, o manejo dos eventos adversos a curto e médio prazo e o desconhecimento dos resultados clínicos em longo prazo. Apesar de alguns tratamentos com células CAR-T serem liberados pela ANVISA não há um programa específico de custeio dessa terapia tanto no sistema público quanto no sistema privado de saúde, por isso a baixa acessibilidade.
Esperamos que tenham gostado. Até a próxima!
Equipe Erytro.
Bibliografia:
1. Pasqui DM, Latorraca CDOC, Pacheco RL, Riera R. CAR-T cell therapy for patients with hematological malignancies. A systematic review. Eur J Haematol. 2022 Dec;109(6):601-618. doi: 10.1111/ejh.13851. Epub 2022 Sep 18. PMID: 36018500.
2. Jogalekar MP, Rajendran RL, Khan F, et al. CAR T-Cell-Based gene therapy for cancers: new perspectives, challenges, and clinical developments. Front Immunol. 2022 Jul 22;13:925985. doi: 10.3389/fimmu.2022.925985. PMID: 35936003; PMCID: PMC9355792.
3. Sermer D, Brentjens R. CAR T-cell therapy: Full speed ahead. Hematol Oncol. 2019 Jun;37 Suppl 1:95-100. doi: 10.1002/hon.2591. PMID: 31187533.
4. Santomasso BD, Gust J, Perna F. How I treat unique and difficult-to-manage cases of CAR T-cell therapy-associated neurotoxicity. Blood. 2023 May 18;141(20):2443-2451. doi: 10.1182/blood.2022017604. PMID: 36877916; PMCID: PMC10329188.