Imagem: Tranexamic acid evidence and controversies: An illustrated review14,15
O ácido tranexâmico (ATX) é um análogo sintético da lisina que inibe a fibrinólise ligando-se competitivamente aos domínios do receptor de lisina da plasmina e do plasminogênio. Desta forma ele impede a ligação da plasmina à fibrina, reduzindo consequentemente a fibrinólise.1 A fibrinólise, por sua vez, é um componente fisiológico do processo de hemostasia e tem como objetivo limitar a formação de coágulos. Após a lesão tecidual associada ao trauma ou à cirurgia, o contato do sangue com grandes superfícies não endoteliais inicia o processo de hemostasia afim de impedir o sangramento. No entanto, esse estímulo pode acarretar fibrinólise excessiva o que pode contribuir para coagulopatia, sangramento e exacerbação da resposta inflamatória.2
O ATX começou a ser utilizado na década de 1960, para reduzir o sangramento menstrual e atualmente possui papel importante na hemoterapia, reduzindo o sangramento em diversos cenários e, consequentemente, o uso de hemocomponentes. Além disso, possui poucas contraindicações e é de custo baixo.1
O ATX possui papel bem estabelecido nos protocolos de transfusão maciça do trauma e da obstetrícia, reduzindo a mortalidade dos pacientes, desde que usado precocemente. Essas indicações foram chanceladas por dois grandes estudos clínicos: a) O CRASH2 (Clinical Randomisation of an Antifibrinolytic in Significant Hemorrhage) foi um grande estudo que alocou em 274 hospitais de 40 países, mais de 20.000 pacientes adultos com traumatismo ou risco de sangramento significativo. Seu objetivo central foi avaliar a mortalidade após o uso do ácido tranexâmico em até 8 horas após a lesão. Este estudo demonstrou redução significativa na mortalidade no grupo de pacientes que receberam 1g de ácido tranexâmico intravenoso em até 3 horas após o trauma, em comparação ao grupo que recebeu tratamento placebo;3 b) O WOMAN (World Maternal Antifibrinolytic) foi outro grande estudo que alocou em 193 hospitais de 21 países, mais de 20.000 mulheres com sangramento no parto ou pós-parto. Seu objetivo central foi avaliar a mortalidade após o uso do ácido tranexâmico em comparação ao placebo. Houve redução da mortalidade relacionada ao sangramento nas mulheres com hemorragia pós-parto alocadas no braço que foi tratado com o ácido tranexâmico, sem efeitos adversos significativos. O estudo evidenciou que o ATX deve ser administrado assim que possível após o início do sangramento.4 No entanto, o uso profilático de ATX nas cesarianas e no parto vaginal não mostrou redução de mortalidade.5
O TXA também tem sido utilizado em cirurgias com risco de sangramento maior, como as cardíacas. Neste cenário foi evidenciada redução na perda de sangue sem aumento de mortalidade e/ou evento trombótico em 30 dias. No entanto, quando doses relativamente altas foram administradas a efetividade hemostática foi maior, mas a taxa de convulsões no pós-operatório foi maior no braço que recebeu tratamento com o ácido tranexâmico em comparação ao placebo.6,7
Nas cirurgias ortopédicas, em especial as de prótese de quadril e joelho, há fortes evidências apoiam tanto o uso intravenoso quanto o tópico do TXA para reduzir a perda de sangue e o risco de transfusão.8,9
Entre os pacientes submetidos à cirurgia geral (não cardíaca), a incidência sangramento no braço tratado com o ácido tranexâmico foi 2,6 vezes menor que a do placebo, sem evento adverso significativo.10
Nas cirurgias plásticas, o uso tópico ganha destaque na lipoaspiração, reduzindo sangramento e a extensão do hematoma. O uso intravenoso também já foi avaliado nos pacientes queimados, em procedimentos craniomaxilofaciais (rinoplastia) e estéticos com redução do sangramento e da resposta infamatória.11
Nas coagulopatias hereditárias como a Doença de Von Willebrand e a Hemofilia os antifibrinolíticos são bastante eficazes em controlar sangramento de mucosas, como a oral, nasal, uterina e muito utilizados após extração dentária. Ele pode ser utilizado como tratamento isolado, em sangramentos de menor gravidade nestes locais.12,13
Na tabela abaixo encontram-se descritas as posologias do ATX para cada indicação:
O ATX reduz significativamente a perda de sangue perioperatória em uma ampla variedade de especialidades cirúrgicas e melhora a sobrevida em hemorragias decorrentes de traumatismo e parto. Apesar do risco teórico de trombose, esse efeito não foi demonstrado nos grandes estudos, sendo a convulsão, quando administrada em doses mais altas, o efeito mais preocupante. O tema é muito extenso, mas hoje ficamos por aqui. Esperamos que tenha gostado.
Até a próxima.
Equipe Erytro.
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