Nós possuímos nas membranas das nossas hemácias antígenos que nos caracterizam, assim como a cor dos olhos, da pele e do cabelo. Atualmente, são conhecidos 43 sistemas de grupos sanguíneos e 345 antígenos eritrocitários. Como conversamos no Blog do dia 27/07/21, a imunogenicidade é a capacidade de uma substância estranha (antígeno) provocar uma resposta imune humoral (criação de anticorpos) no corpo, na grande maioria das situações é uma ocorrência desejada, como no caso das vacinas, mas também ocorrem situações indesejáveis como a formação de anticorpos eritrocitários quando expostos a transfusão e/ou gravidez.
Então, a principal função de se utilizar transfusão de hemácias fenotipadas é impedir a formação de anticorpos antieritrocitários. Para isso, precisamos conhecer os principais fenótipos eritrocitários negativos do receptor e possuirmos um banco de doadores também com o fenótipo conhecido. E compatibilizar o fenótipo negativo do receptor com o fenótipo negativo do doador. Sendo os grupos de sistemas de grupos sanguíneos mais importantes clinicamente, além do ABO RhD são: RhCE, Kell, Duffy, Kidd e o MNSs (Ss).
Em algumas doenças congênitas, como Doença Falciforme e Talassemia major, e outras doenças adquiridas, como as falências medulares, doença renal crônica terminal, hepatopatas, levam a necessidade de transfusão recorrente. Em algumas situações, para o resto da vida. Esses pacientes assim que diagnosticados devem compatibilizar os fenótipos negativos de outros grupos sanguíneos pois possuem maior chance de formar um aloanticorpo. (Aloanticorpo é o nome dado a qualquer anticorpo surgido de um antígeno que não possuímos). Após formação do primeiro aloanticorpo, a chance de formar mais aloanticorpos é 4 vezes maior que a primeira. Então, além de precisarmos eternamente compatibilizar o fenótipo negativo referente ao aloanticorpo adquirido, para evitar uma reação hemolítica, teremos de compatibilizar mais antígenos negativos para prevenir formação de novos anticorpos. Consequentemente, mais difícil torna-se a seleção de hemácias com tantos fenótipos a serem compatibilizados, o que resulta em um atraso no atendimento hemoterápico.
Dito isso, todo candidato a transfusão crônica deveria possuir sua fenotipagem eritrocitária estendida, para receber hemácias de doadores fenotipados do sistema RhCE, e K sempre que possível. Para isso, é importante que o receptor não possua transfusão de hemácias recente, que inviabiliza a metodologia imuno-hematológica de identificação de antígenos (que é rápida e barata). Caso o paciente não suporte manter 3 a 4 meses sem realizar nenhuma transfusão de hemácias, esse deve ser submetido a uma genotipagem dos sistemas de grupos sanguíneos. Através de um sequenciamento do DNA e/ou RNA do paciente, responsáveis pela codificação dos antígenos, inferindo-se as características fenotípicas das hemácias.
Os fornecedores de hemocomponentes devem possuir um programa de fenotipagem de doadores em larga escala afim de atender a população que necessita de transfusão crônica e também de um laboratório de imuno-hematologia para identificação dos fenótipos, dos aloanticorpos, autoanticorpos e resolução de casos complexos. Muitas vezes para resolução de casos dos receptores necessitaremos de hemácias fenótipadas, seja em formato de painel de hemácias comerciais ou de doadores do próprio serviço. Mais uma função das hemácias fenotipadas: auxiliar nos testes imuno-hematológicos.
Não há um protocolo de atendimento de hemácias fenotipadas universal, pois não dependem apenas de pacientes com número elevado de exposição à transfusão ou da característica imunológica de cada um, mas da capacidade do serviço de atendê-los. Toda essa estrutura é muito cara e depende de profissionais bem qualificados. De uma forma geral, o grupo de pacientes que merecem mais atenção, e consequentemente, um maior número de antígeno negativo compatibilizado são: doentes falciformes, pacientes que já possuiu aloimunização e os pacientes com doenças autoimunes. Os demais grupos, compatibilização Rh e Kell já imprime bastante segurança transfusional.
O assunto é bem extenso e esse é só o começo das nossas discussões sobre o tema, deixo algumas referências abaixo para vocês aprofundarem nos estudos e a Erytro possuiu um curso de Imuno-hematologia bem completo para que possam aprofundar na mundo hemoterapia.
Até à próxima
Equipe Erytro
Bibliografia consultada:
1. Makarovska-Bojadzieva T., Velkova E., Blagoevska M. The Impact of Extended Typing On Red Blood Cell Alloimmunization in Transfused Patients. Open Access Maced J Med Sci. 2017;5:107-111.
2. Chou S.T., Alsawas M., Fasano R.M., et al. American Society of Hematology 2020. Guidelines for sickle cell disease: transfusion support. Blood Adv. 2020;4:327-355.
3. Tormey C.A., Hendrickson J.E. Transfusion-related red blood cell alloantibodies:
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4. Papay P., Hackner K., Vogelsang H., et al. High risk of transfusion-induced
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5. Hirani R., Tarafdar S., Mondy P., et al. Understanding the demand for phenotyped redblood cell units and requests to perform molecular red blood cell typing for Australian.
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