Qual a dose a ser utilizada em transfusões de plaquetas profiláticas visando previnir hemorragias?

por | jan 26, 2021

RELEMBRANDO O ESTUDO PLADO

 

Vamos iniciar uma série de blogs mensais, nos quais iremos relembrar e comentar alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia. O primeiro deles será o Estudo PLADO, publicado no New England Journal of Medicine em 20101.

Trata-se de estudo randomizado, controlado, cego para os pacientes, clínicos, responsáveis pela coleta dos dados, avaliadores dos resultados e comitê de segurança, cuja pergunta central foi: em pacientes com trombocitopenia hipoproliferativa induzida pela quimioterapia, a dose de transfusões de plaquetas profiláticas afeta a incidência ou a gravidade do sangramento?

 

Os critérios de elegibilidade foram: pacientes de qualquer idade, que haviam sido submetidos ao transplante com células progenitoras hematopoéticas ou quimioterapia para tratamento de neoplasias hematológicas ou tumores sólidos e que tinham expectativa de manter a contagem plaquetária ≤ 10.000/µL por ≥ 5 dias. Os critérios adicionais foram: a) peso entre 10 e 135 Kg; b) tempo de protrombina (TP) e de tromboplastina parcialmente ativado (PTTa) até 1,3 vezes o controle; c) dosagem de fibrinogênio superior a 100 mg/dL; d) ausência de transfusão de plaquetas durante aquela internação. Os critérios de exclusão foram: a) sangramento classificado como grau 2 ou maior, conforme a escala de sangramento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que varia do grau 1 ao 4, sendo quanto maior o grau maior a intensidade e a gravidade do sangramento, antes do recrutamento do paciente para o estudo; b) desleucocitação das plaquetas a beira do leito; c) histórico de refratariedade à transfusão de plaquetas nos últimos 30 dias; d) painel de reatividade de anticorpos (PRA) contra antígenos do sistema HLA ≥ 20%; e) diagnóstico de leucemia promielocítica aguda, síndrome hemolítico urêmica, purpura trombocitopênica trombótica (PTT) ou imune (PTI); f) programação de receber transfusão de plaquetas com contagem superior a 10.000/µL; g) uso de medicamentos que podem alterar a função ou a quantificação das plaquetas; h) gravidez; i) já ter participado do Estudo PLADO. Os pacientes foram randomizados (1:1:1) para receber de 1,1 x1011 (dose baixa) ou 2,2 x1011 (dose habitual) ou 4,4 x1011 (dose alta) plaquetas por metro quadrado (m2) de superfície corporal. As plaquetas foram transfundidas profilaticamente se a contagem de plaquetas matinal estivesse ≤ 10.000/µL.

 

O desfecho primário foi sangramento grau 2, conforme escala da OMS (sangramento em orofaringe ou epistaxe com duração superior a 30 min em um período de 24 horas, púrpuras com mais de 2,54 cm de diâmetro, hematoma profundo, sangramento em articulação, melena, hematoquezia, hematúria macroscópica, sangramento vaginal anormal, hemoptise, presença de sangramento em lavado bronco alveolar, presença de sangue visível em cavidades, sangramento de retina sem comprometimento visual ou sangramento por mais de uma hora nos sítios de invasão [exemplo: acesso venoso]), ou maior. Outros desfechos também foram avaliados (Tabela 1).

 

O estudo foi considerado completo 30 dias após a primeira transfusão de plaquetas, após um período de 10 dias sem transfusão de plaquetas, alta hospitalar, morte ou exclusão do paciente do estudo por outras causas, o que ocorresse primeiro. O estudo foi desenhado para ter um poder estatístico de 85% a fim de detectar uma diferença absoluta de 12,5% de incidência do desfecho primário entre os três grupos de tratamento. Para tal, seria necessária a inclusão de 450 pacientes em cada grupo.

 

Resultados: Entre 2004 e 2007, um total de 1351 pacientes foram incluídos nos 26 centros participantes do estudo. Desses, 79 pacientes não foram transfundidos, o que totalizou 1272 pacientes transfundidos (Tabela 1).

Tabela 1: Principais resultados do estudo PLADO.

 

Discussão: Este estudo avaliou os efeitos da dose de plaquetas transfundidas na hemostasia. Para um adulto típico, as doses de plaquetas utilizadas equivalem à metade da dose (dose baixa), à dose habitual ou o dobro da dose (dose alta) de plaquetas usualmente utilizada na prática clínica. Não houve diferença entre a frequência de sangramento entre os grupos, sendo que a única morte de causa hemorrágica ocorreu em um paciente do grupo que recebeu dose alta de plaquetas (hemorragia pulmonar). Também não houve diferença entre a intensidade do sangramento, o número de dias com sangramento grau 2 ou maior, o número de dias antes da ocorrência de sangramento grau 2 ou maior, ou do número de unidades de concentrados de hemácias transfundidos entre os três grupos avaliados. Os dados relativos ao incremento transfusional e ao número de dias até a próxima transfusão, associado a dados de outros estudos menores e de modelos matemáticos sugerem que doses mais altas acarretaram maior incremento e prolongamento do intervalo de tempo até a próxima transfusão.

 

A conclusão dos autores foi que a dose de plaquetas transfundida não tem efeito significativo na incidência de sangramento em pacientes com trombocitopenia hipoproliferativa induzida pela quimioterapia quando a transfusão de plaquetas profilática é administrada considerando um valor guia ≤ 10.000/µL, provavelmente porque poucas plaquetas são necessárias para manter a hemostasia. A estratégia de transfusão com metade da dose habitual (dose baixa), reduz de forma significativa a quantidade de plaquetas transfundidas, o que pode preservar os estoques desse componente do sangue, mas pode aumentar o número de episódios transfusionais. Não houve diferença significativa entre os três grupos de pacientes em relação a qualquer categoria de evento adverso sério ou na porcentagem de pacientes que apresentaram um ou mais evento adverso sério.

 

Comentários:

Este foi o primeiro estudo prospectivo, bem desenhado, com força suficiente para avaliar os efeitos da dose utilizada na transfusão de plaquetas profiláticas na prevenção de sangramentos. Os dados encontrados demonstram que a utilização de doses entre 1.1 x1011 a 4.4 x1011/m2, por transfusão profilática, não afeta a incidência ou a intensidade do sangramento de modo significativo.

 

Em 2015, o grupo Cochrane publicou uma revisão sistemática5 na qual foram incluídos 7 estudos clínicos randomizados, que em conjunto totalizaram 1814 participantes tratados com doses de plaquetas muito similares às utilizadas no Estudo PLADO. Os principais resultados encontrados pelos autores foram: a) no geral, a transfusão de plaquetas contendo doses mais baixas (metade da dose padrão usual) tem efeito similar à transfusão de produtos com doses mais elevadas de plaquetas; b) não houve diferença na incidência, frequência ou na severidade de sangramento entre os pacientes participantes dos estudos que receberam doses baixas, habituais ou altas de plaquetas em cada transfusão; c) os dados encontrados não foram afetados pela idade dos pacientes (crianças ou adultos), tratamento de base ou diagnóstico; d) há um claro aumento no número de episódios de transfusão de plaquetas nos pacientes tratados com metade da dose habitual (dose baixa), em comparação àqueles tratados com dose habitual ou alta; e) a estratégia de transfusão com dose alta não resultou em diminuição do número de episódios transfusionais do estudo com maior número de participantes; f) a estratégia de transfusão com dose elevada pode acarretar mais eventos adversos relacionados com a transfusão quando comparado com a dose habitual ou baixa; g) nenhum dos estudos relatou desfechos relacionados com a qualidade de vida dos participantes. Os autores ressaltaram que a qualidade da evidência da maioria dos achados é de baixa ou moderada qualidade, visto que os estudos apresentaram risco de viés ou estimativas imprecisas.

 

Mais de 10 anos já se passaram desde a publicação do Estudo PLADO que continua sendo utilizado como referência quando se discute a dose de plaquetas a ser transfundida profilaticamente em pacientes com trombocitopenia hipoploriferativa induzida pela quimioterapia. É interessante relembrar que a dose usual de plaquetas a ser transfundida em um adulto é de 4 a 6 unidades de plaquetas randômicas (produzidas do plasma rico em plaquetas – metodologia PRP), um pool de 4 a 5 doadores (metodologia buffy coat) ou um concentrado de plaquetas de doador único, coletada por aférese. Essa é a dose que deve continuar sendo realizada de rotina pelos serviços. Entretanto, a estratégia de utilização de metade da dose habitual na transfusão profilática dos pacientes pode ser uma ferramenta útil nos períodos em que o estoque de plaquetas (validade 5 dias após a coleta) encontra-se baixo, como por exemplo nos dias que se seguem aos feriados prolongados e mesmo atualmente, durante a pandemia por SARs-CoV-2 (COVID-19), pois propicia o atendimento com segurança com hemostasia adequada, permitindo o atendimento de um maior número de pacientes.

 

Até a próxima!

 

Equipe erytro.

Bibliografia consultada:

  1. Slichter S.J., Kaufman R.M., Assmann S. F., et al. Dose of prophylactic platelet transfusions and prevention of hemorrhage. N Engl J Med. 2010;362:600-13.

  2. Cid J. and Lozano M. Platelet dose for prophylactic platelet transfusions. Expert Rev. Hematol. 2010;3:397–400.

  3. Rabinowitz I. ACP Journal Club – Dose of prophylactic platelet transfusions did not affect bleeding incidence or severity. Ann Intern Med. 2010. Jun 15;152(12):JC6-12. PMID:20547894.

  4. Infográfico PLADO – EducaSangue, disponível em https://educasangue.com.br/index.php/download/ acesso em 25/01/2021

  5. Estcourt L.J., Stanworth S., Doree C. et al. Diferent doses of prophylactic platelet transfusion for preventing bleeding in people with haematological disorders after myelosuppressive chemotherapy or stem cell transplantation. Cochrane Database of Systematic Reviews 2015, Issue 10. Art. No.: CD010984. DOI: 10.1002/14651858.CD010984.pub2.

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