Qual o valor guia para transfusão de concentrado de hemácias em pacientes sob cuidados intensivos?

por | abr 20, 2021

Relembrando o estudo TRICC.

Dando continuidade à nossa série de blogs, nos quais relembramos e comentamos alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia, vamos abordar hoje o Estudo TRICC, publicado no New England Journal of Medicine em 1999.

 

Trata-se de estudo multicêntrico, randomizado, controlado, estratificado por centro e pela escala APACHE cuja pergunta central foi: em pacientes com doença crítica, a estratégia de transfusão restritiva (Hb alvo 7 a 9g/dL, com gatilho transfusional < 7g/dL) acarreta em mortalidade equivalente à estratégia liberal (Hb alvo 10 a 12g/dL, com gatilho transfusional < 9g/dL)?

 

Os critérios de elegibilidade foram: pacientes com idade superior a 16 anos, euvolêmicos, com Hb ≤ 9g/dL em até 72h após a admissão no centro de terapia intensiva (CTI) Os critérios de exclusão foram: a) sangramento ativo; b) anemia crônica; c) gravidez; d) morte encefálica ou eminente (<24h); e) admissão após cirurgia cardíaca; f) transfusão prévia; g) retirada ou ausência de consentimento; h) impossibilidade de receber transfusão; i) participação em outro estudo.

 

Resultados: Entre 11/1994 e 11/1997, 6541 pacientes foram avaliados e 838 randomizados e incluídos nos 25 centros participantes do estudo. A média diária de Hb diferiu significativamente entre os grupos sendo 8,5 (±0,7) g/dL no grupo restritivo vs 10,7(±0,7) g/dL no grupo liberal (p<0,01). Desfecho primário: A mortalidade global em 30 dias foi semelhante nos dois grupos. 18,7% no grupo com transfusão restritiva versus 23,3% no grupo com transfusão liberal (95%C.I.,-0,84 a 10,2, p = 0,11, figura 1A). Desfecho secundário: a mortalidade hospitalar foi maior no grupo que recebeu transfusão liberal (28,1%) em relação ao grupo que recebeu transfusão restritiva (22,2%; 95%C.I., -0,3 a 11,7, p = 0,05). Não houve diferença nos grupos que evoluíram com falência em mais do que três órgãos. Análise de subgrupos: A taxa de mortalidade foi significativamente menor no grupo com critérios restritivos nas seguintes circunstâncias: a) nos pacientes com pontuação APACHE II ≤ 20 a mortalidade em 30 dias foi de 8,7% vs 16,1% (C.I 95% para diferença absoluta de 1-13,6%, p = 0,03, figura 1B); b) pacientes com idade inferior a 55 anos (5,7 % vs 13%, p = 0,02, figura 1C). A mortalidade foi semelhante entre os grupos nos pacientes com doença cardíaca conhecida (20,5 vs 22,9%, p = 0,69). Eventos cardíacos como infarto do miocárdio, edema pulmonar, angina e parada cardíaca) forma mais comuns no grupo liberal (21%) do que no restritivo (13,2%, p < 0,01).

 
 
 
 
 

Figura 1: Curvas Kaplan-Meier com estimativa de sobrevida nos 30 dias após a admissão nos Centros de Terapia Intensiva nos grupos com estratégia restritiva vs liberal.

 

Conclusão dos autores: As estratégias restritivas de transfusão são no mínimo tão efetivas quanto e possivelmente superiores às estratégias liberais em pacientes enfermos, com a possível exceção de pacientes com infarto agudo do miocárdio e angina instável. O valor da Hb utilizado como guia para transfusão, de 9 a 10g/dL pode ser reduzido com segurança.

 

Comentários:

Este estudo foi realizado em uma época em que se indicava transfusão de hemácias com o objetivo de se manter um valor de Hb entre 10 e 12g/dL. Foi um dos primeiros a indicar que os protocolos de transfusão restritivos, atualmente mundialmente aceitos, são mais seguros para o tratamento de diversos grupos de pacientes e pode ser considerado como um marco, ou um divisor de águas na Hemoterapia, já tendo sido citado em mais de 800 artigos, tamanha a sua relevância. Estudos recentes, do tipo meta-análise, ainda citam o TRICC, que teve os seus achados corroborados e entra para o time de estudos que nos mostra que, em hemoterapia, em diversas situações, menos é mais.

 

Até a próxima!

 

Equipe erytro.

 

Bibliografia consultada:

  1. Hérbert P.C., Wells G., Blajchman M.A., et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of transfusion requerements in critical care. N Engl J Med. 1999;340:409-17. PMID: 9971864 DOI: 10.1056/NEJM199902113400601

  2. Lavery K, Nickson C. The TRICC Trial. Intensive. 2014. Disponível em https://intensiveblog.com/tricc-trial/ acesso em 17/04/2021

  3. The botton line. TRICC Investigators: A Multicenter, Randomized, Controlled Clinical Trial of Transfusion Requirements in Critical Care. https://www.thebottomline.org.uk/summaries/icm/tricc/ acesso em 17/04/2021

  4. EducaSangue. Infográfico TRICC https://educasangue.com.br/index.php/download/ acesso em 17/04/2021

  5. Zhang W., Zheng Y., Yu K., Gu J. Liberal Transfusion versus Restrictive Transfusion and Outcomes in Critically ill Adults: A Meta-Analysis. Transfus Med Hemother 2021;48:60–68. DOI: 10.1159/000506751

Inativação de patógenos

O tema do nosso conteúdo livre de hoje é: Inativação de patógenos.

Lavagem de Hemocomponentes

O tema do nosso conteúdo livre de hoje é: Lavagem de hemocomponentes

Existe plaqueta de uso universal?

O tema do nosso conteúdo livre de hoje é: Existe plaqueta de uso universal?