Qual o valor ser utilizado como guia para transfusão de hemácias em pacientes pediátricos?

por | maio 18, 2021

Relembrando o estudo TRIPICU.

Dando continuidade à nossa série de blogs, nos quais relembramos e comentamos alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia, vamos abordar hoje o Estudo TRIPICU, publicado no New England Journal of Medicine em 2007.

 

Trata-se de estudo de não inferioridade, multicêntrico, prospectivo, randomizado, controlado, estratificado por centro e pela idade, que teve a seguinte pergunta central: em crianças ou adolescentes estáveis com doença crítica, a estratégia de transfusão restritiva, em relação à liberal, acarreta redução da exposição a doadores sem piorar a disfunção orgânica?

 

Os critérios de elegibilidade foram: crianças e adolescentes estáveis e graves com idade entre 3 dias e 14 anos, com pelo menos uma dosagem de Hemoglobina (Hb) ≤ 9,5g/dL nos primeiros 7 dias após admissão na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Pediátrica. Os critérios de exclusão foram: a) expectativa de tempo de internação na UTI < 24h; b) não autorização pela equipe médica do paciente; c) idade < 3 dias ou > 14 anos; d) pacientes instáveis hemodinamicamente; e) sangramento agudo; f) peso corporal < 3 kg; g) pacientes portadores de doença cardiovascular; h) diagnóstico de anemia hemolítica; i) participação em outro estudo, dentre outros. Em ambos os grupos os pacientes foram transfundidos em até 12h após o valor do gatilho transfusional ter sido alcançado. Apenas concentrados de hemácias desleucocitadas (CHD) pré-estocagem foram transfundidos. A estratégia transfusional foi aplicada por até 28 dias de estadia na UTI ou até o óbito, o que ocorresse primeiro. O protocolo podia ser temporariamente suspenso nos casos de instabilidade hemodinâmica, sangramento agudo, intervenção cirúrgica ou hipoxemia severa, mas era retomado, assim que a condição clínica do paciente permitisse.

 

Resultados: Entre 11/2001 e 08/2005, 5399 pacientes foram avaliados e 648 randomizados e incluídos pelos 19 centros participantes do estudo, de 4 países. As principais características dos pacientes assim como os principais resultados do estudo estão na Tabela 1.

 

Tabela 1: Principais características dos pacientes e resultados do estudo.

 
 

Discussão e conclusão: Os autores encontraram que, comparado com o protocolo de transfusão liberal, a estratégia restritiva resultou em redução em 96% do número de pacientes que necessitaram de transfusão e redução em 44% do número de CHD administrados, sem aumento das taxas de disfunção orgânica em crianças e adolescentes estáveis internados em UTI Pediátrica. Também não foi detectada diferença entre os dois grupos quanto aos desfechos secundários. Os autores concluíram que a utilização de protocolos transfusionais restritivos é segura em pediatria e recomendam que esta estratégia seja utilizada em pacientes pediátricos estáveis na UTI, mas lembram que ela não se aplica a bebês prematuros, pacientes com doença arterial coronariana ou com hipoxemia grave, instabilidade hemodinâmica, sangramento ativo ou doença cardíaca cianótica.

 

Comentários: A realização deste estudo foi inspirada no TRICC2 que avaliou a utilização de critérios mais restritivos em pacientes adultos, estáveis, internados em centros de terapia intensiva. Para ser ter uma noção da importância desse estudo, o paradigma atual, de utilizar como referência o valor de 7d/dL para se indicar transfusão veio do TRICC. O desenho e os resultados do TRIPICU foram muito similares aos do TRICC, sendo o desfecho primário a principal diferença entre eles, que no TRICC foi a mortalidade enquanto no TRIPICU foi a falência de múltiplos órgãos.

 

O Estudo TRIPICU representa um notável avanço no tratamento dos pacientes pediátricos. De modo similar ao TRICC, a estratégia restritiva utilizada no TRIPICU foi no mínimo equivalente a liberal quanto ao desfecho primário, mas associada a uma redução do número de unidades de CHD transfundidas em pelo menos 44%. É importante ressaltar que 46% dos pacientes tratados com o protocolo restritivo do TRIPICU recebeu transfusão de CHD, o que demostra a alta frequência de anemia e de transfusão neste grupo de pacientes.

 

Os resultados dos estudos TRICC e TRIPICU são consistentes com os resultados de outros estudos que avaliaram a utilização de critérios mais restritivos de transfusão. A análise do conjunto destes estudos nos indica que os protocolos restritivos de transfusão são seguros e devem ser rotineiramente utilizados. Ressaltamos que, ao se indicar transfusão de hemocomponentes deve-se lembrar do princípio hipocrático da não maleficência (primum non nocere) ao invés de se pensar “mal não fará e que pode ajudar.”

 

Até a próxima!

Equipe erytro.

 

Bibliografia consultada:

1 Lacroix J, Hébert PC, Hutchison JS et al., Transfusion strategies for patients in pediatric intensive care units. N Engl J Med. 2007 Apr 19;356(16):1609-19. PMID: 17442904. DOI: 10.1056/NEJMoa066240

2. Hérbert P.C., Wells G., Blajchman M.A., et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of transfusion requerements in critical care. N Engl J Med. 1999;340:409-17. PMID: 9971864. DOI: 10.1056/NEJM199902113400601

3. Corwin H.L, Carson J.L. Blood Transfusion – When Is More Really Less? N Engl J Med. 2007 Apr 19;356(16):1667-9. PMID:17442910. DOI: 10.1056/NEJMe078019

4 EducaSangue. Infográfico TRIPICU. Disponível em https://educasangue.com.br/index.php/download/ , acesso em 15/05/2021

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