Recuperação de sangue autólogo

por | ago 22, 2023

AGO 22, 2023

Com a implantação do Programa de Gestão de Sangue do Paciente (PBM, Patient Blood Management) são, cada vez mais, realizados esforços para diminuir o uso de sangue alogênico. Este programa classicamente baseia-se em três pilares:1 a) otimizar a massa eritrocitária; b) minimizar a perda sanguínea e o sangramento; c) aproveitar e otimizar a resposta fisiológica à anemia.

O segundo pilar encontra-se mais relacionado com o intraoperatório e envolve as seguintes estratégias:1 a) a escolha de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas; b) a promoção meticulosa da hemostasia; c) o uso de técnicas anestésicas que promovem a conservação do sangue; d) o uso de agentes hemostáticos farmacológicos; e) o combate à hipotermia, hipocalcemia e à acidose (tríade letal); e, não menos importante, f) a transfusão de sangue autólogo, coletado no pré-operatório (doação pré-depósito), imediatamente antes da cirurgia (hemodiluição normovolêmica) ou durante o ato cirúrgico, como auxílio de equipamentos recuperadores intraoperatórios de sangue (RIOS).

A recuperação de sangue autólogo no intraoperatório de cirurgias com estimativa de grandes perdas sanguíneas deve sempre ser encorajada. O transplante hepático, as cirurgias cardíacas com circulação extracorpórea, as cirurgias vasculares (abertas) em grandes vasos, a cirurgia do trauma envolvendo grandes vasos ou vísceras e algumas cirurgias ortopédicas (ex.: revisão de artroplastia do quadril, fusão espinhal em múltiplos níveis) podem estar associadas à perda de sangue superior a 20% da volemia. Os pacientes submetidos a esses procedimentos podem se beneficiar da recuperação intraoperatória do sangue. 2

O modo de operação dos recuperadores intraoperatórios de sangue consiste na aspiração, associado a uma solução com anticoagulante, do sangue “perdido no campo cirúrgico” com ajuda de uma bomba que direcionará esse sangue para um reservatório. A seguir o sangue será centrifugado para separação das hemácias dos demais componentes e/ou contaminantes e lavados com soro fisiológico. Neste processo de lavagem há remoção de debris, coágulos, hemoglobina livre e do anticoagulante. Em seguida as hemácias são concentradas para um hematócrito ideal (entre 55 e 70%) e, por fim, são direcionadas para uma bolsa de reinfusão.2,3

Os recuperadores intraoperatórios de sangue podem trabalhar de modo contínuo (ex.: C.A.T.S® plus Sistema de autotransfusão contínuo (Fresenius Kabi, Bad Homburg, Germany) os recuperadores que trabalham de modo contínuo são capazes de processar mesmo pequenos volumes de sangue (permitem uso inclusive em pacientes pequenos) com o mesmo kit e rapidamente já disponibilizam o sangue processado para transfusão. 3-5 Já os modelos que trabalham de modo intermitente utilizam reservatórios (bowl) que precisam ser preenchidos para depois o sangue ser processado (Estes equipamentos possuem kits específicos para uso adulto e pediátrico. 2,3

O uso desses equipamentos está formalmente indicado nas seguintes situações: 3

  • Risco de sangramento maior que 1000 mL ou 20% da volemia

  • Pacientes com problemas imunohematológicos:

    • Múltiplos anticorpos

  • Paciente com anticorpos contra antígenos de alta frequência

  • Paciente portador de fenótipo raro

  • Pessoas que recusam transfusão:

    • Testemunha de Jeová

  • Pacientes com anemia e com alto risco de sangramento em cirurgia.

As contraindicações absolutas do uso dos recuperadores intraoperatórios de sangue são: pacientes com Doença Falciforme e a contaminação por substancias não biológicas como o cimento ortopédico, álcool, selantes de fibrina ou agentes hemostáticos (trombina, fibrina dentre outros). 3

Outras situações clínicas possuem uma contraindicação relativa e são bem controversas como por exemplo:

 

a) recuperação sanguínea em paciente com alguma suspeita de contaminação bacteriana: sabemos que o uso de filtros de leucócitos reduz substancialmente o número de bactérias, além do mais pode-se associar o uso antibióticos de amplo espectro, caso paciente ainda não esteja utilizando; 3

 

b) recuperação sanguínea em cirurgias oncológicas: usualmente essas são cirurgias de grande porte e geralmente estão relacionadas com a transfusão alogênica. Especialistas temem que o uso dos RIOS nesse tipo de cirurgia possa contribuir com a disseminação de células cancerígenas de forma sistêmica e, teoricamente, promover metástases à distância. Entretanto, estudos tem indicado que o uso dos RIOS neste grupo de pacientes é seguro desde que o sangue seja desleucocitado (o filtro de remoção dos leucócitos é capaz de reter a maioria das células cancerígenas) e/ou irradiado antes de ser infundido.2,3

 

c) recuperação sanguínea em parto tipo cesariana: apesar de ser uma cirurgia com perda sanguínea esperada maior que 1000 mL, há necessidade de cuidado adicional na recuperação do sangue, devido ao risco de aspiração do líquido amniótico com consequentemente embolia e potenciais reações aos contaminantes celulares desse líquido. Esse risco é teórico e a autotransfusão pode ser usada desde que a aspiração do líquido amniótico seja realizada separadamente, para outro contêiner, nas hemorragias puerperais após o parto. 3

Após o preparo, o concentrado de hemácias tem validade de 4 h se mantido a temperatura ambiente ou de 24 horas se mantido refrigerado (2 a 6º C).3 As hemácias recuperadas conseguem se deformar e levar oxigênio aos capilares mais finos. Além disso, possuem altas concentrações de 2,3 DPG e, consequentemente, conseguem liberar oxigênio para os tecidos de modo mais eficiente do que o sangue estocado.2,3 Essas características (maior deformabilidade e altas concentrações de 2,3 DPG) associadas à ausência de risco de transmissão de doenças infecciosas, imunomodulação ou reações transfusionais imunes são as principais vantagens do uso dos recuperadores intraoperatórios de sangue. 3 Em pacientes com problemas imunohematológicos, nos quais há necessidade de transfusão de “sangue raro” e nos pacientes que não aceitam uso de transfusão alogênica, a recuperação celular é a melhor alternativa para realização de grandes cirurgias.

 

Até a próxima.

Equipe Erytro

Apoio técnico científico da Fresenius Kabi para a sua realização.

 

Entenda o funcionamento do equipamento:

 
 
 

Bibliografia

  1. Leahy MF, Hofmann A, Towler S, et al. Improved outcomes and reduced costs associated with a health-system-wide patient blood management program: a retrospective observational study in four major adult tertiary-care hospitals. Transfusion. 2017 Jun;57(6):1347-1358. doi: 10.1111/trf.14006. Epub 2017 Feb 2. PMID: 28150313.

  2. Frank SM, Sikorski RA, Konig G, et al. Clinical Utility of Autologous Salvaged Blood: a Review. J Gastrointest Surg. 2020 Feb;24(2):464-472. doi: 10.1007/s11605-019-04374-y. Epub 2019 Aug 29. PMID: 31468332.

  3. Sikorski RA, Rizkalla NA, Yang WW, Frank SM. Autologous blood salvage in the era of patient blood management. Vox Sang. 2017 Aug;112(6):499-510. doi: 10.1111/vox.12527. Epub 2017 Jun 5. PMID: 28580663.

  4. Alberts M, Groom RC, Walczak R Jr, et al. In Vitro Evaluation of the Fresenius Kabi CATSmart Autotransfusion System. J Extra Corpor Technol. 2017 Jun;49(2):107-111. PMID: 28638159; PMCID: PMC5474889.

  5. Manual operacional do CatsSmart: https://www.fresenius-kabi.com/br/documents/CATSmart_IFU_13_12.18ptbr.pdf

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