A legislação brasileira preconiza os testes obrigatórios para serem realizados antes da liberação de uma transfusão, para a transfusão de um concentrado de hemácias é necessário a realização da tipagem ABO/RhD e pesquisa de anticorpos irregulares (PAI) do receptor. A retipagem ABO/RhD (se RhD negativo) do concentrado de hemácias e um teste de compatibilidade entre o receptor e a unidade a ser transfundida também são obrigatórios.
Na maioria dos casos a tipagem ABO/RhD tanto do paciente como do concentrado de hemácias (doador) é determinada sem dificuldades e os quando os pacientes não apresentam anticorpos irregulares. E nessas situações o teste de compatibilidade é negativo e a bolsa liberada para transfusão.
No entanto, alguns pacientes que já receberam transfusão ou tiveram gestações prévias podem ter desenvolvido anticorpos irregulares contra antígenos eritrocitários. Esses anticorpos, se presentes, serão detectados na PAI e precisam ser identificados e a unidade de concentrado de hemácias selecionada para transfusão não deve conter o respectivo antígeno. Na maioria das vezes, se o paciente possui um aloanticorpo e a bolsa selecionada possui o antígeno relacionado a este anticorpo, o resultado do teste de compatibilidade será positivo. Por isso devemos selecionar uma bolsa que não contenha o antígeno correspondente ao anticorpo encontrado, assim o teste de compatibilidade será negativo e esta unidade está adequada para ser liberada para transfusão.
A probabilidade do paciente adquirir anticorpos depende de vários fatores, incluindo a doença de base, características genéticas entre doador e receptor, resposta imune do receptor e número de transfusões realizadas. Assim, sempre que possível, deve-se avaliar o desenvolvimento desses anticorpos por meio da realização de nova PAI após cada nova exposição. Uma vez detectado e identificado um anticorpo essa informação deve constar nos registros do paciente e esses registros devem ser consultados antes de cada transfusão. Com o passar do tempo o título dos anticorpos podem diminuir, chegando a níveis indetectáveis. Nesse caso, tanto a pesquisa de anticorpos irregulares como o teste de compatibilidade serão negativos. Por este motivo os registros devem sempre ser checados e se um paciente tem histórico de possuir um aloanticorpo, o mesmo deverá ser sempre respeitado a fim de evitar uma reação transfusional hemolítica tardia devido a uma resposta imunológica secundária ou anamnéstica.
Entretanto, alguns pacientes apresentam ainda aloanticorpos que possuem efeito de dose. Esta é uma característica que alguns anticorpos apresentam e que os faz reagir mais fortemente ou apenas reagir quando o antígeno correspondente está em homozigose (dose dupla). Se o antígeno estiver em heterozigose a reação será mais fraca ou até mesmo negativa. Um exemplo prático é se um paciente possui um anticorpo anti-Jka que apresenta efeito de dose, este anticorpo reagirá com hemácias Jk(a+b-) e reagirá mais fracamente ou não reagirá com hemácias do fenótipo Jk(a+b+). Ao se deparar com um paciente com anticorpo com essas características, nos testes pré-transfusionais a pesquisa de anticorpos irregulares deve ser positiva, mas o teste de compatibilidade pode ser negativo se o concentrado de hemácias selecionado possuir o antígeno correspondente em heterozigose. Se esta bolsa for liberada para transfusão o paciente poderá apresentar uma reação tranfusional hemolítica.
Por este motivo, ao se deparar com um paciente que apresente na amostra atual ou já tenha apresentado um anticorpo irregular previamente, faça a sua identificação e selecione unidades que não contenham o antígeno. Não é seguro confiar apenas no resultado do teste de compatibilidade!!
Espero que tenham gostado.
Até a próxima!
Equipe Erytro
Bibliografia consultada:
• Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação no. 5 – Anexo IV de 28 de setembro de 2017. Do sangue, componentes e derivados. Disponível em http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Legislacoes/Portaria_Consolidacao_5_28_SETEMBRO_2017.pdf. Acesso em: 02 mai 2023.
• Padrão para Bancos de Sangue e Serviços de Transfusão AABB/ABHH, 5 ed. 2022.
• AABB Technical Manual, 20 th edition. Bethesda, 2020