Efeito da administração de vitamina K na taxa de reversão da varfarina

por | maio 30, 2025

Dando continuidade à nossa série de blogs nos quais relembramos e comentamos alguns estudos clínicos que tiveram grande impacto na Hemoterapia, vamos abordar hoje o estudo Effect of vitamin K administration on rate of warfarin reversal publicado na Transfusion em 2019.[1]

Trata-se de estudo clínico de centro único (grande hospital universitário), retrospectivo, observacional que teve como objetivo caracterizar a taxa de correção do RNI (Razão Normatizada Internacional) quando a vitamina K é usada como monoterapia em uma coorte de pacientes com RNI elevado que necessitavam de reversão de varfarina. Esse estudo foi realizado nos Estados Unidos da América entre janeiro e dezembro de 2014.

Os pacientes elegíveis foram maiores de 18 anos que receberam vitamina K para reversão da Varfarina e que tivessem um resultado de RNI basal (antes da administração de vitamina K) e pelo menos um resultado de RNI obtido em até 48 horas após a vitamina K. Os principais critérios de exclusão foram pacientes: (1) tratados com um pró-coagulante, como plasma fresco congelado (PFC), fator VIIa recombinante, concentrado de complexo protrombínico (CPP) de três ou quatro fatores (4F) ou concentrados de complexo de fator IX entre o RNI basal e o de acompanhamento; (2) tivessem um distúrbio de coagulação conhecido; ou (3) disfunção hepática. Além disso, os pacientes que receberam mais de uma dose de vitamina K durante o período do estudo tiveram os resultados do RNI obtidos após as administrações adicionais excluídos. 

O objetivo primário foi avaliar a resposta do RNI à monoterapia com vitamina K nas primeiras 48 horas. Os objetivos secundários foram avaliar a dose de vitamina K, a via de administração, o RNI basal e as características dos pacientes quanto à resposta do RNI ao longo do tempo e a frequência de reversão completa (RNI < 1,5). A aprovação para este estudo foi obtida do comitê de ética em pesquisa institucional.

As doses de vitamina K foram definidas como baixas (<2,6 mg), médias (2,6–9,9 mg) ou altas (10 mg) e o RNI basal foi definido como baixo (<2), médio (2–6) ou alto (>6). Foi definido como reversão completa o alcance de RNI < 1,5. A avaliação estatística contou com um modelo de regressão logística e gráficos de dispersão no qual foram plotados uma linha de melhor ajuste além de um modelo de processo de contagem para determinar as variáveis associadas à obtenção da reversão completa.

Resultados: Um total de 1.355 pacientes receberam vitamina K durante o período do estudo. Destes, 235 (17%) preencheram os critérios de inclusão e dos quais foram incluídos 469 resultados de RNI obtidos após a administração de vitamina K. O tempo até a primeira dosagem do RNI após a vitamina K foi, em média, de 10,5 ± 4,2 horas. Foi detectada uma diminuição significativa nos valores de RNI em comparação ao RNI basal (3,0 ± 1,9 vs. 4,7 ± 2,2; p < 0,01). A alteração rápida e constante do RNI iniciou-se imediatamente após a administração da vitamina K (0-4 h). 

A interpretação visual da linha de melhor ajuste identificou que a dose de 10 mg e a via intravenosa acarretaram alteração mais rápida no RNI em 0 a 4 horas do que doses mais baixas ou a via oral, respectivamente (Figuras 1 e 2). Além disso, o RNI basal maior que 2 parece estar associado a uma taxa inicial de reversão mais rápida (Figura 3).

Figura 1. Redução do RNI ao longo de 24 horas pela dose de vitamina K.

Figura 2. Redução do RNI ao longo de 24 horas pela via de administração de vitamina K.

Figura 3. Redução do RNI ao longo de 24 horas pelo RNI basal.

A análise multivariada avaliou a influência da dose, da via de administração, do RNI basal e a combinação destes na obtenção da reversão completa, usando apenas os valores de RNI pré-vitamina K e primeiro resultado pós-vitamina K. Uma dose elevada de vitamina K e a via intravenosa foram associadas à alteração rápida do RNI e à reversão completa (vitamina K 10 mg [razão de risco (RR) 2,4; intervalo de confiança (IC) de 95%, 1,4-4,2] e via intravenosa [RR 1,8; IC de 95%, 1,3-2,6]); no entanto, a reversão completa geral em 24 e 48 horas foi baixa (14,5% e 41,7%, respectivamente). Um RNI basal mais elevado foi associado à alteração rápida do RNI e, um RNI basal mais baixo, à reversão completa.

Os autores concluíram que a vitamina K isoladamente inicia a reversão do RNI imediatamente. Altas doses de vitamina K e a via intravenosa estão associadas à reversão mais rápida do RNI. O RNI basal também influencia a taxa de correção e a frequência de obtenção da reversão completa. A administração de vitamina K reverte a anticoagulação por varfarina rapidamente, com eficácia variando conforme dose e via de administração.

Comentários:

Apesar do uso crescente dos anticoagulantes orais diretos (DOAC), a varfarina continua a ser usada como anticoagulante por muitos pacientes. Seu principal efeito colateral é o sangramento, que pode variar de leve (ex.: como hematúria microscópica) a sangramento intracraniano com risco de vida. O CPP é capaz de reverter rapidamente (15 a 30 minutos) o efeito da varfarina, entretanto, seu efeito é temporário (aproximadamente 6h, tempo que corresponde à meia vida do fator VII). Por este motivo, o uso da vitamina K deve ser associado ao uso do CPP em casos de sangramento grave ou necessidade de procedimento cirúrgico de emergência (em menos de 6h). Nesse caso, o CPP deve ser administrado o mais perto possível do horário da cirurgia para que essa possa ser realizada durante a sua ação máxima.

Por outro lado, quando o sangramento não acarreta risco iminente de vida para o paciente se não for imediatamente controlado e/ou o procedimento cirúrgico puder aguardar ≥ 6h para ser realizado, muitos pacientes podem ser tratados com a administração isolada da vitamina K como demostrado no estudo, tema do nosso blog de hoje.

No Brasil a maioria dos serviços tem disponível apenas a formulação de vitamina K para uso IM que não pode ser administrada IV, mas pode ser dada por VO com excelente absorção e eficácia.

Sendo assim, a conduta terapêutica para reversão da anticoagulação por antagonistas da vitamina K (AVK) consiste em: 1) suspender o uso do medicamento; 2) se sangramento grave, ameaçador da vida ou necessidade de procedimento cirúrgico de emergência (em até 6h) administrar CPP 4F + vitamina K; 3) demais casos, a depender do risco de sangramento ou da urgência de reversão do efeito, considerar fazer vitamina K VO ou IV ou apenas aguardar o tempo necessário para o nível do RNI retornar para a faixa terapêutica.

Até a próxima

Equipe Erytro

Bibliografia:

  • Polito NB, Kanouse E, Jones CMC, et al. Effect of vitamin K administration on rate of warfarin reversal. Transfusion. 2019 Apr;59(4):1202-1208. DOI: 10.1111/trf.15146. Epub 2019 Feb 4. PMID: 30714620.
  • Lin Y, Callum J. Emergency reversal of warfarin anticoagulation. CMAJ. 2010 Dec 14;182(18):2004. DOI: 10.1503/cmaj.100983. Epub 2010 Nov 15. PMID: 21078740; PMCID: PMC3001508. 
  • Sahai T, Tavares MF, Sweeney JD. Rapid response to intravenous vitamin K may obviate the need to transfuse prothrombin complex concentrates. Transfusion. 2017 Aug;57(8):1885-1890. DOI: 10.1111/trf.14166. Epub 2017 May 19. PMID: 28543073.

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